Astrocitomas pilocíticos. 
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ASTROCITOMAS  PILOCÍTICOS

Definição.   Um tipo de astrocitoma circunscrito, freqüentemente cístico, composto de proporções variáveis de tecido compacto (padrão pilocítico) e frouxo (padrão protoplasmático).  É considerado grau I pela OMS.  O adjetivo pilocítico refere-se à presença de astrócitos bipolares com longos prolongamentos, que formam fibras de Rosenthal.  Este tipo de célula é pouco proeminente no SNC normal, mas sua existência é demonstrada por áreas de gliose de longa duração, associada a lesões crônicas como craniofaringiomas e cistos da pineal
 

Astrócitos pilocíticos em esfregaço. 

Incidência etária.  Astrocitomas pilocíticos tendem a ocorrer nas duas primeiras décadas de vida, mas há exceções até a 8a. década (1) (2). Mais de 75% ocorrem antes dos 20 anos, com pico entre 8 e 13 anos. É o glioma mais comum em crianças. Correspondem a 10% dos astrocitomas cerebrais e 85% dos cerebelares. 
Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) predispõe ao aparecimento destes tumores, principalmente no nervo óptico (o assim chamado glioma de nervo óptico), podendo ser bilaterais. Astrocitomas pilocíticos múltiplos, ocorrendo simultânea ou seqüencialmente, estão associados a NF1.

Localizações mais comuns (clique para quadro de astrocitomas pilocíticos por topografia): 
1) Cerebelo, mais freqüente nos hemisférios que no vermis. 
2) Nervo óptico
3) Quiasma óptico, hipotálamo
4) Tálamo, núcleos da base
5) Hemisférios cerebrais
6) Tronco cerebral, porções dorsais (glioma dorsal exofítico do mesencéfalo
7) Medula espinal

Em lesões volumosas na região basal do cérebro (hipotálamo, tálamo, tronco cerebral) pode ser difícil definir o local de origem. 
 

Astrocitomas pilocíticos de cerebelo: localização no vermis (E) e hemisfério (D).  de nervo óptico, com extensão ao quiasma de quiasma óptico, com extensão ao IIIº ventrículo
de tronco cerebral de tálamo, hipotálamo, núcleos da base de hemisfério cerebral, superficiais de medula espinal

Dados clínicos. 

Tumores cerebelares podem causar ataxia axial ou apendicular e hipertensão intracraniana (cefaléia, náuseas, vômitos, edema de papila) por obstrução do IVº ventrículo. Esta pode dominar o quadro e levar à cegueira por represamento de líquor na baínha dos nervos ópticos. Como os nervos ópticos são tratos do sistema nervoso central, são envolvidos pelas três meninges, havendo um prolongamento do espaço subaracnóideo em torno dos mesmos. A hipertensão liquórica em volta do nervo cria um efeito de manguito com compressão do suprimento vascular. Como muitos pacientes são crianças, a sintomatologia pode não ser referida ou valorizada a tempo de evitar conseqüências irreversíveis para a visão. 

Astrocitoma de nervo óptico – leva à redução da acuidade visual e cegueira, mas como os pacientes freqüentemente são crianças, pode não haver queixas, mesmo porque a progressão da sintomatologia é muito lenta. Tumores grandes podem causar proptose. 

Tumores do quiasma e vias ópticas, além do déficit visual, podem causar sintomatologia relacionada a disfunção do hipotálamo e hipófise (puberdade precoce, hipogonadismo, obesidade, diabetes insipidus).  Quando crescem para o IIIº ventrículo, podem causar hidrocefalia. 

Tumores do tronco cerebral – afetam mais comumente a região da placa quadrigêmea (região dorsal do tronco), produzindo obstrução do aqueduto e hidrocefalia. Também ocorrem no tegmento da ponte e no bulbo. Em contrapartida, os astrocitomas difusos ocorrem mais na base da ponte e causam aumento difuso (‘hipertrofia’) da ponte. 

Tumores talâmicos ou da região basal dos hemisférios cerebrais podem apresentar-se com sinais de obstrução liquórica por desvio da linha média, e/ou hemiparesia por lesão da cápsula interna. 

Tumores nos hemisférios cerebrais podem causar déficits motores unilaterais, efeito de massa com hidrocefalia, e convulsões, contando entre os tumores associados a epilepsia. 

Achados radiológicos. Clique para exemplos e texto.

Os pontos básicos são a boa delimitação, a impregnação difusa por contraste e a relativa falta de edema perilesional, devida principalmente à lentidão de crescimento do tumor. Muitos casos estão associados a cistos, únicos ou múltiplos.  Estas feições permitem diferenciar de astrocitomas difusos de baixo grau (especialmente nos hemisférios cerebrais), que não são bem delimitados e não impregnam. Contudo, outros tumores compartilham os mesmos aspectos de imagem dos astrocitomas pilocíticos, como os xantoastrocitomas, ependimomas e gangliogliomas.  A distinção entre estes é necessariamente histopatológica. 

Macroscopia. 

Astrocitomas de nervo óptico crescem ao longo do nervo, que toma aspecto fusiforme ou piriforme. Ao corte, o nervo fica branco, homogêneo e firme.  É comum que as células neoplásicas ultrapassem a pia-máter e invadam o espaço subaracnóideo em volta do nervo, criando um colar periférico de astrócitos hipertróficos e elementos mesenquimatosos reativos, inclusive com reação desmoplásica (produção de fibras reticulínicas). O conjunto é circundado pela dura-máter (ou baínha do nervo óptico).
 
Astrocitoma pilocítico de nervo óptico Astrocitoma pilocítico de placa quadrigeminal

Nas outras localizações, inclusive no cerebelo, os astrocitomas pilocíticos formam massas, geralmente bem delimitadas, com cor variável entre branca e acinzentada, aspecto não raro heterogêneo, e consistência firme.  Há coexistência de tumor sólido e cistos com conteúdo líquido ou mucóide (mais de 80% nos astrocitomas do cerebelo). Um nódulo mural dentro de um cisto é característico. 

Microscopia. 

É clássica dos astrocitomas pilocíticos a associação de dois padrões histológicos (padrão bifásico).  Estes são: 

  • a) o padrão pilocítico, que é densamente fibrilar, formado por astrócitos bipolares, com longos prolongamentos e freqüentes fibras de Rosenthal;  e o 
  • b) o padrão protoplasmático com degeneração microcística. Neste, os astrócitos são estrelados ou multipolares, mas com prolongamentos curtos, dispostos frouxamente, deixando entre eles espaços (microcistos) preenchidos por material amorfo levemente basófilo produzido pelas células neoplásicas. 
Padrão pilocítico com fibras de Rosenthal.
Padrão protoplasmático com degeneração microcística. 

Contudo, este padrão bifásico freqüentemente falta, sendo as amostras constituídas apenas por um ou outro tipo de tecido. Outros dados, como idade, localização e estudos de imagem tornam-se essenciais para o correto diagnóstico. 

Os núcleos das células neoplásicas são arredondados ou ovalados, com cromatina frouxa e bem distribuída. Porém, não é rara a ocorrência de atipias nucleares, por vezes acentuadas. São interpretadas como alterações ‘degenerativas’ e mais comuns em tumores de longa duração.  Não são evidência de anaplasia, e os núcleos atípicos geralmente são negativos ao marcador de proliferação celular Ki-67. 
 

Atipias nucleares acentuadas em um astrocitoma pilocítico do cerebelo.  Vasos espessos e hialinizados em um  astrocitoma pilocítico de medula espinal.

Outras feições sugestivas de senescência tumoral são vasos espessos e hialinizados, depósitos de hemossiderina e infiltrado inflamatório crônico. Vasos espessados e densamente agrupados parecendo um hemangioma cavernoso podem ocorrer.

Calcificações ocorrem só na minoria dos astrocitomas pilocíticos e habitualmente não são conspícuas. 

Extensão ao espaço subaracnóideo – é relativamente comum, mais freqüente nos gliomas de nervo óptico e cerebelo. Não deve ser interpretada como evidência de agressividade ou tendência à disseminação liquórica. 
 

Extensão ao espaço subaracnóideo (orla de tecido mais frouxo) em um astrocitoma pilocítico de nervo óptico. 

Proliferação vascular é uma feição comum nos astrocitomas pilocíticos. É particularmente proeminente na parede dos cistos intratumorais, onde assume o aspecto de uma camada subluminal de capilares hiperplásicos (aspecto em guirlandas). É descrita a produção de fator de crescimento endotelial (vascular endothelial growth factor, VEGF) pelas células tumorais e expressão dos receptores para este fator nas células endoteliais, criando uma alça parácrina que leva à proliferação capilar. Ao contrário dos astrocitomas difusos, nos astrocitomas pilocíticos a proliferação capilar não é sinal de malignidade, e não altera o bom prognóstico destes tumores. 
 

Necrose é vista em até 8% dos astrocitomas pilocíticos mas geralmente corresponde a áreas maiores semelhantes a infartos. Necrose do tipo geográfico com pseudopalisadas, como vista nos glioblastomas,  é rara nos astrocitomas pilocíticos. 

Corpos hialinos ou hialino-granulosos são gotículas de material hialino comuns em astrocitomas pilocíticos, xantoastrocitomas e gangliogliomas. Seu encontro fala a favor de lento crescimento e bom prognóstico.  Nos astrocitomas pilocíticos são mais encontradas em tecido frouxo do tipo protoplasmático, enquanto fibras de Rosenthal são mais encontradas nas áreas compactas pilóides. 
 

Corpos hialinos ou hialino-granulosos

Fibras de Rosenthal, estruturas hialinas alongadas lembrando salsichas ou cenouras, e freqüentemente com granulações em contas de rosário,  ocorrem principalmente nas áreas pilóides dos astrocitomas pilocíticos. Quando encontradas em tecido claramente neoplásico, corroboram o diagnóstico.  Porém, sua falta não exclui o diagnóstico e, por outro lado, são comuns em situações não neoplásicas, como áreas de gliose (dita pilóide) de longa duração em torno de craniofaringiomas e cistos de pineal. 
 

Fibras de Rosenthal

Imunohistoquímica.  – Os astrócitos são positivos para GFAP, tanto nas áreas pilocíticas como nas protoplasmáticas. Nestas, a positividade pode ser variável, com células pouco reativas.  As fibras de Rosenthal são negativas para GFAP e positivas para a proteína do cristalino do olho, a a–B cristalina. Corpos hialinos granulosos são positivos para a1-antitripsina e a1-antiquimotripsina.  A positividade para o marcador de proliferação Ki-67 (MIB-1) é geralmente baixa mas pode ser alta, embora não haja aparentemente correlação com o prognóstico. 
 

Marcação por anticorpo monoclonal contra GFAP em área pilocítica (E) e protoplasmática (D). 

Microscopia eletrônica.  Os astrócitos pilocíticos são ricos em organelas citoplasmáticas, como vesículas do retículo endoplasmático liso e rugoso, mitocôndrias e lisossomos. Também contêm filamentos intermediários no citoplasma, que correspondem a GFAP e vimentina.  Além destes, notam-se corpúsculos irregulares de material eletrodenso, que são de aspecto superponível ao das fibras de Rosenthal, observadas nos prolongamentos citoplasmáticos das mesmas células.  As fibras de Rosenthal, constituídas da proteína a-B cristalina, são vistas isoladamente ou entremeadas aos filamentos intermediários.  Para página com detalhes, clique
 

Graduação e prognóstico.  Os astrocitomas pilocíticos são, com raras exceções, tumores grau I.  Feições histológicas prognosticamente nefastas nos astrocitomas difusos, como atipias nucleares e proliferação vascular, não têm a mesma conotação nos astrocitomas pilocíticos. Infiltração da leptomeninge é uma feição comum dos astrocitomas pilocíticos, freqüentemente vista nos tumores cerebelares e do nervo óptico, não sendo sugestiva de malignidade ou disseminação à distância. 

Os tumores cerebelares são os apresentam melhor prognóstico, com cura em alta proporção dos casos, devido à possibilidade de extirpação total.  Em uma série de casos com ressecção completa, a sobrevida de 5 anos foi 100%.  Há outra série com sobrevida de 5, 10 e 20 anos de 85%, 81% e 79%.  Pode haver recidiva após ressecção parcial. Recidivas estão mais relacionadas à expansão de cistos do que a novo crescimento tumoral. 

Tumores de nervo óptico freqüentemente são de crescimento tão lento que é melhor acompanhá-los com RM do que tratá-los cirurgicamente. Muitos ficam estáveis por anos, e alguns até regridem espontaneamente, em especial na NF1. Já tumores do quiasma óptico e hipotálamo crescem lenta, mas inexoravelmente e podem tornar-se enormes, devido à impossibilidade de uma extirpação eficaz. Cistos podem contribuir mais para o efeito de massa que o próprio componente sólido do tumor. 

Tumores situados superficialmente nos hemisférios cerebrais são facilmente extirpáveis e têm bom prognóstico. 

A localização pode influenciar negativamente o prognóstico, no caso de tumores de tronco cerebral, de região hipotalâmica, tumores que infiltram as paredes do IIIº ventrículo, ou os situados profundamente nos hemisférios cerebrais.  Tumores com aspectos radiológicos e morfológicos de astrocitoma pilocítico podem crescer rapidamente, causar efeito de massa, e recidivar em pouco tempo após a cirurgia.  Salientamos um caso de astrocitoma pilocítico de presumível origem cerebelar, que infiltrou extensamente as meninges de forma incontestavelmente maligna. 
 

Astrocitomas pilocíticos de evolução agressiva.  1 -  Fem, 6 anos. Recidiva 4 meses após retirada parcial.  2 - Fem, 58 a., tumor em região de ínsula e núcleos da base com crescimento explosivo em 4 meses.  3 - Fem, 37 a., lesão originada no cerebelo com extensa infiltração meníngea e progressão em 2 anos. 

Disseminação liquórica.  É bem conhecido que astrocitomas pilocíticos clássicos, embora  raramente, causem semeaduras meníngeas e/ou ventriculares, mesmo antes que a lesão primária seja detectada. O índice proliferativo nestes casos é variável, mas pode ser baixo.  Este comportamento é mais freqüente nos primários hipotalâmicos. No nosso material, encontramos um caso de primário cerebelar.  Este comportamento pode não ser um sinal de agressividade, pois tanto o primário como os implantes podem crescer muito devagar, como foi o caso no nosso paciente.  É um comportamento atípico e imprevisível, mas compatível com longa sobrevida, mesmo sem terapia adjuvante. 
 

Astrocitoma pilocítico de vermis cerebelar com implantes ventriculares em paciente de 58 anos. Histologicamente, o tumor primário era benigno, com padrão bifásico clássico. Após 3 anos da remoção do primário houve modesta progressão dos implantes.

Transformação maligna.  Como um grupo, astrocitomas pilocíticos são notáveis em manter seu status de OMS grau I ao longo de anos ou décadas. O aparecimento de atipias nucleares, celularidade aumentada, e algumas mitoses (1-2 por 10 campos de grande aumento) não tem significado prognóstico. Há raros exemplos de astrocitomas pilocíticos que efetivamente sofrem malignização, o que é mais comum após radioterapia. Contudo, mesmo nestes casos, deve-se evitar o termo glioblastoma multiforme, em favor de astrocitoma pilocítico anaplásico

Diagnóstico diferencial. O primeiro ponto é a exclusão de lesões não neoplásicas, especialmente da chamada gliose pilóide em torno de lesões de longa duração. Isto pode ser difícil em espécimes pequenos da região hipotalâmica, onde gliose em torno de craniofaringiomas pode simular astrocitoma pilocítico, um tumor comum nesta localização.  O acesso a estudos de imagem durante a biópsia de congelação é de grande valor.  No cerebelo, pode haver gliose pilóide em torno de tumores de longa evolução como o hemangioblastoma. Outra localização clássica de gliose pilóide é na parede interna de cistos da pineal.

Gliose pilóide em torno de um craniofaringioma. Notar abundantes fibras de Rosenthal. 
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Gliose pilóide na camada interna de um cisto de pineal. 

Tumores que, em estudos de imagem, podem simular o astrocitoma pilocítico são o ganglioglioma e o xantoastrocitoma pleomórfico. Ambos podem ter também feições histológicas em comum com os astrocitomas pilocíticos, como corpos hialinos granulosos e, no caso do ganglioglioma, fibras de Rosenthal. O ganglioglioma deve mostrar neurônios dismórficos e em distribuição anárquica em meio ao estroma glial do tipo pilocítico.  Os xantoastrocitomas são geralmente mais celulares, mais pleomórficos, com arquitetura pelo menos em parte fasciculada, fibras reticulínicas, e as clássicas (mas freqüentemente raras) células xantomatosas.  O padrão microcístico falta nos xantoastrocitomas, bem como as fibras de Rosenthal. 

De ponto de vista prognóstico, a principal preocupação é afastar os astrocitomas difusos, tanto de baixo (II) como de alto grau (III, IV). A disponibilidade de estudos de imagem é inestimável, já que astrocitomas difusos de baixo grau têm limites imprecisos e não impregnam.  Astrocitomas de alto grau têm impregnação anular em torno de um centro necrótico, e freqüentemente se acompanham de edema da substância branca e efeito de massa bem maior que o causado por astrocitomas pilocíticos. 

Principais fontes:

  • Burger PC, Scheithauer BW, Vogel FS.  Surgical Pathology of the Nervous System and Its Coverings. 4th Ed. Churchill Livingstone, New York, 2002.  pp. 203-15. 
  • Burger PC et al. Pilocytic astrocytoma.  in Kleihues P  & Cavenee WK (eds). Tumours of the Nervous System. Pathology and Genetics. WHO Classification of Tumours. IARC Press, Lyon, 2000. p. 45-51.
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