Gliose pilocítica intensa e granuloma de corpo estranho a cristais de colesterol,  reacionais a um craniofaringioma.
1. HE
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Espécime.  Foram recebidos vários fragmentos esbranquiçados ou pardacentos, de aspecto incaracterístico, que foram agrupados em quatro cápsulas para inclusão e corte. Para nossa surpresa, o exame cuidadoso de todo o material enviado não revelou nenhuma estrutura que lembrasse o epitélio próprio do craniofaringioma adamantinomatoso. Quase todo tecido era constituído por astrócitos do tipo pilocítico, densamente fibrilares e riquíssimos em fibras de Rosenthal, a ponto de contemplarmos  a possibilidade de um astrocitoma pilocítico em vez de craniofaringioma. Contudo, a aparência da lesão nos estudos de imagem, mais o encontro de granulomas de corpo estranho a cristais de colesterol, terminou por convencer-nos de que a lesão devia realmente ser um craniofaringioma em que todo o tecido tumoral viável havia degenerado (ou, se ainda presente, não fez parte da amostra).  Para granulomas a colesterol em outro caso de craniofaringioma adamantinomatoso, clique. 
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Lâmina escaneada  mostrando em um dos cortes um granuloma a cristais de colesterol (seta), em maior detalhe na foto abaixo. 

 
HISTOLOGIA -  HE
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Destaques  da  microscopia. 
Granulomas a colesterol Macrófagos xantomatosos Gliose pilocítica 
Astrócitos pilocíticos Corpos hialinos granulosos  Fibras de Rosenthal

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Granulomas a cristais de colesterol.  Fendas claras, deixadas pelos cristais de colesterol após processamento do tecido, em meio a material eosinófilo, amorfo e granuloso. Células gigantes de corpo estranho, com núcleos distribuídos ao acaso, fagocitavam o material. Na periferia da massa necrótica, uma camada de tecido de granulação com fibrose entre os capilares. Mais externamente, gliose pilocítica rica em corpos hialinos granulosos e fibras de Rosenthal
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Periferia do granuloma, mostrando numerosos pequenos vasos (tecido de granulação), com intensa fibrose entre eles, e células inflamatórias esparsas. 
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Macrófagos xantomatosos.  Em áreas, observavam-se abundantes macrófagos com citoplasma finamente espumoso (xantomatoso), devido à fagocitose de lípides provenientes do tecido tumoral degenerado. Havia entre eles uma população variável de células inflamatórias crônicas inespecíficas, principalmente linfócitos, com alguns plasmócitos. 
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Gliose  pilocítica.  A feição mais notável no tecido examinado era a intensa gliose do tipo pilocítico, ou seja, com prolongamentos astrocitários longos, orientados em paralelo, e levemente ondulados, simulando os fios de uma cabeleira.  Este aspecto simulava fortemente um astrocitoma pilocítico. O exame de um fragmento isolado não permitiria o diagnóstico diferencial. É apenas o exame de todo o espécime, com encontro de granulomas a colesterol e reação inflamatória, mais a correlação com os exames de imagem, é que permite o diagnóstico correto. 
Na gliose pilocítica ou pilóide, as células são alongadas com prolongamentos bipolares, e arranjadas em feixes. Os prolongamentos são espessos e contêm inclusões de material hialino, que constituem as chamadas fibras de Rosenthal e os corpúsculos hialinos granulosos
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Gliose  pilocítica.   Os aspectos são essencialmente superponíveis ao padrão pilocítico dos astrocitomas pilocíticos. Nestes, porém, é comum coexistência de outro padrão, o protoplasmático com degeneração microcística, que não observamos no presente espécime.  Gliose pilocítica é comumente observada nas proximidades de craniofaringiomas na região hipotalâmica, mas dificilmente atinge as proporções vistas neste caso. Para outro exemplo, clique. 
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Astrócitos pilocíticos.   Os astrócitos que produzem este tipo de gliose não são de observação corrente no tecido nervoso normal. Aqui temos alguns exemplos, com os cortes passando pelos respectivos núcleos. São células longas e filamentosas, com citoplasma róseo e hialino, devido à forte presença de proteínas do citoesqueleto (GFAP) e outra proteína depositada entre os filamentos intermediários, chamada de a B-cristalina, que é o principal constituinte das fibras de Rosenthal.  Clique para aspecto destes astrócitos pilocíticos reacionais na reação imunohistoquímica para CD34
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Corpúsculos hialinos granulosos, também conhecidos como  corpúsculos granulares eosinofílicos (ou pela sigla EGB, do termo em inglês eosinophilic granular bodies), são uma feição habitual de astrocitomas pilocíticos, gangliogliomas e xantoastrocitomas pleomórficos, todos estes tumores gliais de lento crescimento. 
São constituídos por gotículas proteicas que se acumulam em prolongamentos astrocitários e habitualmente são PAS-positivos.  Seu encontro deve alertar para o caráter indolente do tumor.  Aqui os vemos em excepcional abundância neste material não neoplásico, ou seja, numa gliose do tipo pilocítico, ao que tudo indica em torno de um craniofaringioma. 
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Corpos hialinos granulosos.   Sua morfologia é variável, de pequenos a grandes, com gotículas densamente hialinas em arranjo mais, ou menos, compacto, ou estruturas arredondadas frouxas, com finas granulações, em um fundo claro. 
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Fibras de Rosenthal.  São estruturas alongadas, homogêneas e fortemente eosinófilas (portanto, hialinas), formadas no interior dos prolongamentos citoplasmáticos de astrócitos pilocíticos. Diferem da proteína glial ácida fibrilar (GFAP), que é um filamento intermediário, portanto uma proteína do citoesqueleto. As fibras de Rosenthal são constituídas da proteína a-B cristalina, uma proteína de choque térmico (heat shock protein) que é expressada em situações de stress térmico ou oxidativo.  Para mais sobre estes assuntos, clique
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Fibras de Rosenthal são amplamente observadas em astrocitomas pilocíticos, mas também em situações de gliose crônica em focos irritativos de baixa intensidade e longa duração, como em volta de craniofaringiomas. São intensamente eosinófilas e homogêneas (portanto, hialinas), e é classica sua comparação a uma cenoura. Clique para mais exemplos de fibras de Rosenthal em astrocitomas pilocíticos, em microscopia óptica e eletrônica
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Neurônios  remanescentes.  Alguns neurônios nas proximidades da lesão são demonstrados abaixo. 

Alfa B-cristalina 

Alfa cristalina é uma importante proteína do cristalino ocular e ocorre em duas variedades, A e B.  A variedade A é exclusiva da lente, já a forma B ocorre em outros tecidos, inclusive no sistema nervoso central (SNC), onde é expressada principalmente em astrócitos e oligodendrócitos. Em condições normais esta quantidade é baixa, mas astrócitos reativos são fortemente positivos. 

A proteína alfa B-cristalina tem homologia com proteínas de choque térmico de baixo peso molecular, como a HSP-27 (para heat shock protein de 27 kD).  Tecidos que contêm inclusões ubiquitinadas reagem para o anticorpo contra alfa B-cristalina. Entre eles estão os corpos de Lewy em neurônios (uma alteração própria da doença de Parkinson), fibras de Rosenthal em astrócitos pilocíticos e corpos hialinos de Mallory em hepatócitos.  Os dados da literatura sugerem que alfa B-cristalina está envolvida na formação de corpos de inclusão ubiquitinados que se associam a filamentos intermediários do citoesqueleto destas células. 
 

Proteínas de choque térmico, proteínas chaperonas, ubiquitina. 

Desenvolvimento da estrutura espacial de uma proteína.  A estrutura primária de uma cadeia proteica é a seqüência de aminoácidos traduzida pelo ribossomo ao ler o RNA mensageiro da mesma. À medida que os aminoácidos vão sendo acrescentados e a proteína vai saindo do ribossomo, a cadeia polipeptídica dobra-se em alfa-hélices e segmentos com pregueamento beta, que constituem a estrutura secundária. Há uma tendência da proteína a ocultar no seu interior a grande parte dos resíduos hidrofóbicos. Posteriormente ocorrerão várias modificações covalentes em diferentes resíduos de aminoácidos, para dar à proteína sua estrutura final (terciária) e permitir sua interação com outras proteínas formando complexos (estrutura quaternária). 

O dobramento adequado de uma cadeia proteica é auxiliado por uma classe especial de proteínas chamadas chaperonas (do inglês chaperone, que se traduz como companheira, dama de companhia, guardiã, aia). Essas proteínas protegem a cadeia proteica para evitar dobramentos errôneos, que levariam a uma proteína errada, inativa ou até perigosa para a célula. Alguns destes dobramentos inconvenientes causariam exposição de muitos resíduos hidrofóbicos na superfície da cadeia. Essas moléculas tendem a agregar-se e podem formar complexos macromoleculares insolúveis.  No processo de dobramento de uma cadeia proteica, as chaperonas ligam-se a certas seqüências hidrofóbicas da cadeia e, uma vez que o dobramento correto esteja concluído, desligam-se. 

As chaperonas são incluídas entre as proteínas de choque térmico (em inglês, heat shock proteins ou hsp), assim chamadas porque sua produção aumenta quando a célula é submetida brevemente a temperaturas altas, por exemplo, a 42ºC para células que habitualmente vivem a 37ºC.  Temperaturas altas facilitam produção de proteínas mal dobradas. A célula responde com aumento da síntese de chaperonas, que ajudarão estas proteínas a se redobrar corretamente. 

As principais classes de chaperonas moleculares em células eucarióticas são as proteínas hsp60 e hsp70.  As proteínas hsp70 atuam ainda enquanto as proteínas estão sendo sintetizadas no ribossomo, ligando-se a uma seqüência de cerca de 7 aminoácidos hidrofóbicos antes que a cadeia proteica se desligue do ribossomo.  As proteínas hsp60 atuam após a cadeia proteica ter-se completado. Formam uma estrutura grande em forma de barril, onde as proteínas novas são introduzidas para isolá-las e impedir que se agreguem. Assim elas ficam num ambiente favorável a uma redobragem correta.  Toda esta atividade de seleção e redobragem requer ATP.  Cerca de 20% de todas as proteínas recém sintetizadas são auxiliadas pelas chaperonas do tipo hsp70 e 10% pelas do tipo hsp60. 

Uma proteína que contenha um segmento grande de aminoácidos hidrofóbicos expostos é geralmente anormal. Pode ser que não se tenha dobrado adequadamente ao deixar o ribossomo, pode ter sofrido uma intercorrência que a desdobrou, ou não encontrou as proteínas normalmente associadas a ela num complexo multimolecular. Essas proteínas não são simplesmente inúteis, podem ser perigosas, porque o contato com regiões hidrofóbicas de moléculas próximas pode levar à agregação e precipitação das mesmas, causando acúmulo intracelular e dano à célula. As chaperonas que se ligam a estes segmentos hidrofóbicos impedem estas proteínas de agregar.  Proteínas normais que se dobram rapidamente da maneira correta não expõem segmentos hidrofóbicos e não são reconhecidas pelas chaperonas. 

Quando os mecanismos acima descritos de tentativa de redobramento correto falham, entra em cena ainda outro mecanismo, que consiste na destruição completa da cadeia proteica anormal pelos proteassomos. Os mecanismos de controle de qualidade das proteínas produzidas nas células são muito rígidos, levando a que cerca de um terço de todas as proteínas sintetizadas sejam rapidamente degradadas. Por isso, os proteassomos, que são um agregado de proteases na forma de um barril, são abundantes e formam cerca de 1% do total das proteínas celulares. Estão presentes em muitas cópias tanto no citosol como no núcleo. Os sítios ativos das proteases estão na face interna do cilindro do proteassomo.  As proteínas destinadas a destruição são marcadas por ligação a uma cadeia de uma proteína pequena chamada ubiquitina. Uma vez rotulada por ubiquitina (ubiquitinada), a proteína é introduzida no proteassomo e só liberada quando foi picada em pequenas cadeias polipeptídicas.  Há um complexo mecanismo para rotulagem com ubiquitina das proteínas a serem destruídas. A ubiquitina liga-se ao grupo amino lateral (em posição épsilon na cadeia do aminoácido) de um resíduo de lisina na proteína alvo. A cadeia de ubiquitinas é então reconhecida pelas proteínas da tampa do proteassomo. 

Fonte: 

  • Alberts B, et al. Molecular Biology of the Cell, 4th Ed., Garland Science, NY, 2002;  Pp 354-62. 


Referências (obtidas em pesquisa PubMed): 

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  • Iwaki T, Wisniewski T, Iwaki A, Corbin E, Tomokane N, Tateishi J, Goldman JE. Accumulation of alpha B-crystallin in central nervous system glia and neurons in pathologic conditions. Am J Pathol. 1992 Feb;140(2):345-56. 
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Para mais imagens deste caso: TC, RM IH - GFAP, macrófagos IH - CD34, 
AE1AE3, EMA, Ki-67
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