Doença de Creutzfeldt - Jakob
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Fem. 72 a. Sintomas psiquiátricos progressivos ao longo de cerca de 2 meses: agitação, desorientação têmporo-espacial (confunde os dias da semana, não sabe o ano corrente, esquece onde deixou objetos, não reconhece algumas pessoas, troca o nome de outras, quer sair em horários impróprios, repete palavras). Insônia, alteração do ciclo sono-vigília. Distúrbio comportamental com um episódio de agressividade. Em semanas, houve piora da confusão mental, dos distúrbios de memória, e passou a apresentar tremor de membros inferiores e desequilíbrio à marcha.    Antecedente. Hipertensão arterial. 

Exame neurológico.  Torporosa, Glasgow 8, pupilas isomióticas fotorreagentes, fundo de olho normal. Paresia do olhar vertical bilateral, sem nistagmo. Sustenta os braços quando posicionados acima da face, hipertonia rígida, sinal da roda dentada em cotovelos, pior à direita. Reflexos ósteo-tendíneos vivos e simétricos, reflexo cutâneo-plantar em flexão bilateral. Sinal de Hoffmann presente bilateralmente, reflexos axiais da face exacerbados. 

Exame de líquor normal. Eletroencefalograma. Distúrbio lento e difuso da atividade de base. Atividade epileptiforme freqüente em regiões fronto-temporais, com predomínio à direita. 

Ressonância magnética (abaixo) – hipersinal nas imagens ponderadas em difusão, em núcleo caudado e putâmen bilateralmente, pulvinares e córtex frontal adjacente à fissura interhemisférica. Alterações compatíveis com doença de Creutzfeldt-Jakob (ver texto).

Durante a internação (cerca de 2 semanas) evoluiu com piora progressiva do estado geral e do quadro neurológico, vindo a falecer por distúrbios hidroeletrolíticos e complicações respiratórias. Por precaução devido à suspeita de DCJ, a necrópsia foi limitada ao encéfalo

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Fem. 72 a.  Clique para história clínica, RM, macroscopia do encéfalo, HE : núcleos da base, hipocampo, córtex frontal, cerebelo, ponte, imunohistoquímica do núcleo caudado (GFAP, VIM). Textos : imagens em difusão no diagnóstico precoce da DCJ; precauções na autópsia em suspeita de doença priônica
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RESSONÂNCIA  MAGNÉTICA 
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Melhores  cortes  -  Axiais.  A melhor evidência no sentido de doença de Creutzfeldt-Jakob é dada pelas imagens em difusão. Observa-se hipersinal simetricamente nos núcleos da base, putamen e tálamos, e no córtex frontal ao nível do giro do cíngulo e adjacências. A ausência de alterações nestas áreas no corte em T2 valida as observações. Em FLAIR, há também discreto hipersinal nos núcleos da base, mas bem menos intenso que em difusão. O volume cerebral é praticamente normal neste nível, mas há certo grau de atrofia de giros e alargamento de sulcos nos cortes mais superiores. Ausência de lesões focais de origem isquêmica. 
DIFUSÃO MAPA  EM  T2 FLAIR
T1 SEM CONTRASTE, AXIAIS
T1 SEM CONTRASTE, CORONAIS SAGITAL
Mais imagens
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Correlação imagem - patologia. 

O hipersinal em difusão é considerado a melhor expressão imagenológica da encefalopatia espongiforme (ver texto). 

Para macroscopia do encéfalo, histologia e imunohistoquímica  deste caso, clique. 

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Imagens de ressonância magnética pesadas em difusão no diagnóstico precoce da doença de Creutzfeldt-Jakob. 

Feições de imagem bem conhecidas da doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) incluem atrofia cerebral progressiva e áreas de hipersinal em T2 no córtex cerebral e núcleos da base. Contudo, nos estágios iniciais, imagens em T2 são freqüentemente normais. Imagens pesadas em difusão (diffusion-weighted imaging) mostram hipersinal no córtex cerebral, núcleos da base e tálamo na maioria dos casos de DCJ, mesmo antes das características descargas sincrônicas e periódicas no eletroencefalograma. Estas anormalidades se acompanham de valores de coeficiente de difusão aparente diminuídos, sugestivos de restrição da difusão das moléculas de água no tecido (movimento browniano). 

Incidência.  As doenças priônicas humanas incluem a doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica, insônia fatal esporádica, doença de Creutzfeldt-Jakob familial, doença de Gerstmann-Sträussler-Scheinker, insônia fatal, doença de Creutzfeldt-Jakob iatrogênica, nova variante da doença de Creutzfeldt-Jakob e o kuru.  Cerca de 90% dos casos são classificados como doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica, com origem ou fonte de infecção desconhecidas.  Outros 10% são de DCJ hereditária. A maioria dos casos restantes é de DGSS.  Entre as causas de DCJ iatrogênica estão: transplante de córnea, administração de hormônio de crescimento contaminado por prions, e transplante de dura-máter de cadáver (este, comum no Japão nos anos 1980; responsável por 97 casos até 2003).  A ‘nova variante’ de DCJ apareceu principalmente na Europa ocidental. Tem semelhanças com a encefalopatia espongiforme bovina e admite-se que seja transmitida do gado a humanos. O kuru foi descoberto após a segunda guerra mundial na tribo Fore da Nova Guiné, e é transmitido pela ingestão ritual de partes de cadáveres, incluindo o cérebro. Sua incidência diminuiu acentuadamente após o fim do canibalismo. 

A prevalência mundial de DCJ é aproximadamente um caso por milhão e a incidência anual é 2 casos por milhão. Há leve predomínio no sexo feminino. 

Clínica.  As manifestações diferem com o estágio da DCJ. No início, há sintomas inespecíficos, como fadiga, depressão, insônia, distúrbios visuais e desorganização do caráter. Após algumas semanas, há deterioração mental rapidamente progressiva com demência, que é o achado mais característico. Mais adiante, aparecem sintomas piramidais e extrapiramidais, descargas periódicas sincrônicas no EEG (características, mas podem faltar em todo o curso da doença), e mioclonias. Em poucos meses instala-se a fase de mutismo acinético, e a morte geralmente ocorre em um ano após o início dos sintomas por intercorrências respiratórias. 

Laboratório.  O imunoensaio para proteína 14-3-3 no líquor é um importante marcador bioquímico para DCJ. Contudo não é patognomônico, podendo ocorrer em outras doenças neurológicas e pode ser negativo. O diagnóstico definitivo requer comprovação histopatológica. A biópsia cerebral, além de invasiva e arriscada, pode dar resultado falso-negativo se realizada em áreas não afetadas, e representa risco de contaminação para pessoal médico e outros pacientes. 

Neuropatologia.  Degeneração espongiforme de neurônios e seus prolongamentos, perda neuronal, intensa gliose astrocitária reacional e formação de placas de amilóide.  A degeneração espongiforme é mais encontrada no córtex cerebral, núcleo caudado, putamen, tálamo e hipocampo.  Em microscopia eletrônica, aparece como vacúolos entre 5 e 25 mm no neurópilo, entre os corpos celulares. 

Imagem.  Imagens pesadas em difusão são uma técnica de ressonância magnética em que o contraste na imagem depende da movimentação das moléculas de água no tecido. Esta pode ser alterada em doenças que causem modificação na viscosidade do fluido entre e ao redor de células, ou dos constituintes membranosos.  A técnica é atualmente usada para vários propósitos diagnósticos, inclusive para a detecção precoce de infartos cerebrais. 

Nos estágios iniciais da DCJ, o hipersinal é observado mais freqüentemente no córtex cerebral, podendo ser uni- ou bilateral, simétrico ou assimétrico, difuso ou focal. Anormalidades nos núcleos da base também podem ser uni- ou bilaterais, com maior incidência no núcleo caudado. Depois progride para a parte anterior do putamen e depois a todo o núcleo. Estes achados levaram à hipótese de que as partículas priônicas acumulam-se inicialmente no núcleo caudado e se propagam ao putamen pelas pontes cinzentas caudado-lenticulares que conectam estes núcleos passando pela cápsula interna. 

Há vários trabalhos sugerindo que os achados com difusão seriam característicos da DCJ e permitem o diagnóstico antes do aparecimento da atrofia cerebral e das anormalidades em T2.  Acredita-se que o hipersinal na difusão representaria áreas de vacuolização do neurópilo. Se os vacúolos tiverem menos que 20 mm, a gliose leva a restrição da difusão da água no tecido afetado, se comparado ao tecido normal. 

Diagnóstico diferencial.  A DCJ no estágio inicial deve ser diferenciada de outras doenças associadas a demência.  A doença de Alzheimer não apresenta anormalidades nos estudos com difusão.   Demência vascular é associada com múltiplos infartos, mas as anormalidades na difusão ocorrem apenas nos infartos recentes, e não há envolvimento cortical difuso.  Se as anormalidades na difusão se restringem ao córtex cerebral, o principal diagnóstico diferencial são MELAS (mitochondrial myopathy, encephalopathy, lactic acidosis and stroke-like episodes), encefalopatia hipertensiva venosa e encefalite crônica pelo vírus herpes simplex. 

MELAS é uma doença genética metabólica que induz demência subaguda. Manifesta-se num grupo etário mais jovem que DCJ. Há um período de desenvolvimento normal, seguido por sintomas de demência, intolerância ao exercício e acidose láctica.  Em T2 e FLAIR, as lesões aparecem como áreas giriformes de edema intenso que poupam a substância branca subjacente. Estas feições nunca são observadas na DCJ. As anormalidades seriam causadas por edema citotóxico causado por demanda aumentada de energia e a falta de ATP ocasionada pela deficiência mitocondrial. 

Fonte.    Ukisu R, et al. Diffusion-weighted MR imaging of early-stage Creutzfeldt-Jakob disease: typical and atypical manifestations. Radiographics. 2006 Oct;26 Suppl 1:S191-204. Review. 

Outras referências.

  • Collie DA, et al. Diagnosing variant Creutzfeldt-Jakob disease with the pulvinar sign: MR imaging findings in 86 neuropathologically confirmed cases. AJNR Am J Neuroradiol. 2003 Sep;24(8):1560-9.
  • Kallenberg K, et al. Creutzfeldt-Jakob disease: comparative analysis of MR imaging sequences. AJNR Am J Neuroradiol. 2006 Aug;27(7):1459-62.
  • Tschampa HJ, et al. MRI in the diagnosis of sporadic Creutzfeldt-Jakob disease: a study on inter-observer agreement. Brain. 2005 Sep;128(Pt 9):2026-33. 
  • Ukisu R, et al. Serial diffusion-weighted MRI of Creutzfeldt-Jakob disease. AJR Am J Roentgenol. 2005 Feb;184(2):560-6.

EXAME  EM  DETALHE
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CORTES  AXIAIS, T1 SEM CONTRASTE
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T2
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FLAIR
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DIFUSÃO  E  MAPA  EM  T2
Di
T2
Di
T2
Di
T2
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CORTES  CORONAIS, T1 SEM CONTRASTE
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T1 - IR (inversion  recovery)
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FLAIR
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CORTES  SAGITAIS, T1 SEM CONTRASTE
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Para mais imagens deste caso:
RM. Texto : RM em difusão na DCJ Macro. Texto : precauções em autópsias com suspeita de doença prionica HE - núcleos da base, hipocampo Córtex frontal, cerebelo, ponte  IH - GFAP, VIM no núcleo caudado
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Mais sobre doença de Creutzfeldt-Jakob. Textos de apoio (1) (2) Casos de autópsia (1) (2) (3) Banco de imagens
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