Comentário.
Este notável
pequeno tumor presumivelmente foi causa de epilepsia desde a idade de 7
meses até sua extirpação cirúrgica aos 20 anos,
e pode-se sugerir que estivesse presente ao nascimento. Neste caso,
seria melhor enquadrado na categoria de um hamartoma do que de neoplasia.
Hamartoma
pode ser definido como uma lesão congênita malformativa caracterizada
pela presença de elementos teciduais de um certo tipo em quantidade
anormal para um dado local. No caso, estes são neurônios e
células da glia. Um exemplo de hamartoma no sistema nervoso central
é o hamartoma hipotalâmico.
A lesão
apresentava duas áreas semelhantes nas colorações
de anilina (HE, LFB/N), mas bem distintas à imunohistoquímica.
A maior parte era constituída por substância cinzenta de aspecto
habitual, exceto que os neurônios eram irregularmente distribuídos
e sem orientação. A quantidade de núcleos gliais não
excedia o habitual em córtex cerebral normal, nem mostravam atipias.
A esta lesão chamamos gangliocitoma.
A IH para
vimentina chamou a atenção para uma área fortemente
reativa à custa de prolongamentos astrocitários. As
reações para neurônios mostraram menor quantidade destas
células e de neurópilo na região. Voltando ao
HE, notamos que neste local havia células gliais com núcleos
atípicos e multinucleação. Além disso, a área
era parcialmente demarcada por calcosferitos. Esta pequena região
interpretamos como um diminuto ganglioglioma,
totalmente contido no interior da lesão maior, o gangliocitoma.
Outro achado
imunohistoquímico importante foi que a área de ganglioglioma
tinha numerosas células astrocitárias positivas para CD34,
com profusas e delicadas ramificações, como já descrito
na literatura e notado em casos de ganglioglioma
e de xantoastrocitoma de nossa
experiência. Na área de gangliocitoma tal não ocorria
e isto é mais uma diferença entre os dois tipos de tecido.
Para um quadro comparativo dos achados no gangliocitoma e no ganglioglioma,
clique.
Ao fazermos
a correlação com os exames de imagem, notamos que a área
puntiforme de impregnação por contraste correspondia aproximadamente
ao achado histológico do ganglioglioma, reforçando a interpretação
de que a lesão é, de fato, de dupla natureza. A forte impregnação
só nesta pequena área significa que a barreira hemoencefálica
era defeituosa ou inexistente. Como a barreira depende de propriedades
das células endoteliais induzidas por astrócitos fibrilares,
pode-se sugerir que os astrócitos no ganglioglioma eram imperfeitos
ou incapazes de induzir barreira. Em HE os capilares da área de
ganglioglioma pareciam um pouco mais celulares que os da de gangliocitoma
(estes indistinguíveis de capilares normais do tecido nervoso),
mas é difícil ser absoluto sobre este achado. Com CD34, positivo
no endotélio, não foi notada diferença.
Dado que
há células gliais tanto na área de gangliocitoma como
na de ganglioglioma, porque não interpretar tudo como ganglioglioma
apenas? Porque as duas áreas são bem diferentes e a
que chamamos de gangliocitoma não tem o aspecto habitual dos gangliogliomas
(dos quais temos no site diversos exemplos),
mas sim parece-se com substância cinzenta (quase) normal.
Julgamos
improvável que haja um tumor composto apenas e exclusivamente de
neurônios maduros (ou seja, um gangliocitoma 'puro'), e que células
gliais devem ser um acompanhante inevitável dos neurônios,
tumorais ou não.
Seja qual
for o melhor nome para esta lesão, ela é certamente rara,
fascinante e salienta a importância de um estudo correlativo minucioso
de dados clínicos, neuroimagem, neuropatologia tradicional e imunohistoquímica
para melhor compreensão dos casos. |