Tumor neuroepitelial disembrioplásico  (DNT, DNET). 
1. HE
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Fem. 20 a.   Clique para RM, imagens do campo cirúrgico, macroscopia, HE, tricrômico de Masson, LFB-Nissl, MAP2, NF, tubulina, GFAP, VIM, S-100, CD34, Ki-67, textos sobre DNETs  (1) (2).

Esta pequena lesão do giro frontal superior direito foi retirada cirurgicamente in toto. Para ressonância magnética, imagens do campo cirúrgico e peça macroscópica em cortes, clique. Foram feitos 6 cortes paralelos e os dois do meio, designados arbitrariamente A e B, foram selecionados para documentação em HE, colorações especiais (tricrômico de Masson e luxol fast blue - cresil violeta) e estudo imunohistoquímico. As duas lâminas são praticamente idênticas, pois representam aprofundamentos de faces de corte especulares. Como o tecido característico do DNET é muito escasso e restrito praticamente às paredes do cisto que ocupava a medular do giro, ambas lâminas foram aproveitadas para estudar o 'elemento glioneuronal específico', que é diagnóstico da entidade.  O córtex superficial sobre o cisto tem também feições próprias de DNET, especialmente nas áreas mais profundas, que bordejam a margem do cisto. As áreas de interesse nas duas lâminas estão salientadas por retângulos coloridos numerados, e detalhes das mesmas são apresentados em quadros com a mesma cor e número. 

Espécime excepcionalmente bem preservado.  A textura sumamente frouxa e frágil do tecido nervoso no DNET é o maior obstáculo à sua retirada completa, com preservação das relações e arquitetura. Outro problema é a densa vascularização capilar, com inevitável tendência a sangramento durante a manipulação cirúrgica. Habitualmente, estas lesões são removidas por aspiração, e é raro que uma bem preservada chegue ao patologista, sendo este exemplo uma louvável exceção.

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Destaques  da  microscopia. 
HE.  Córtex sobre o DNET. Numerosos oligodendrócitos, neurônios escassos Córtex sobre o DNET. Material intersticial abundante, circundando neurônios Elemento glioneuronal específico do DNET
Elemento glioneuronal específico do DNET. Neurônios flutuantes, muitos dismórficos Masson.   Lâmina escaneada. Áreas de DNET destacadas em azul Córtex sobre o DNET.  Rarefação celular, material intersticial abundante
Áreas ricas em oligodendrócitos. Material intersticial abundante cora-se em azul Áreas ricas em oligodendrócitos. Neurônios flutuantes Elemento glioneuronal específico do DNET. Colunas de células na margem do cisto, material intersticial abundante em azul
LFB-Nissl.   Lâmina escaneada.  Córtex sobre o DNET. Poucos neurônios e axônios mielínicos, numerosos oligodendrócitos, material intersticial metacromático Elemento glioneuronal específico.  Axônios mielínicos acompanham as colunas de células em meio ao material intersticial
Axônios mielínicos Neurônios flutuantes Córtex normal vizinho para comparar
Destaques  da  imunohistoquímica.  
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Lâmina A. 

A lesão ocupa o giro na região média do corte, onde se observa um grande cisto afetando toda a substância branca (camada medular) do giro.  Há alterações compatíveis com DNET no córtex da superfície do giro, e o 'elemento glioneuronal específico' é encontrado nas margens do cisto. Ao lado, lâmina escaneada com 600 dpi (dots per inch) e abaixo com 1200 dpi. 

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Tentativa de correlação  entre imagens de ressonância magnética, o espécime macroscópico em corte e a lâmina escaneada.  O giro acometido tem seu centro de substância branca (chamado medular do giro) transformado em um cisto de conteúdo líquido que dá hipersinal em T2 ou FLAIR e hipossinal em T1. O córtex sobre o cisto é delgado e hidratado. Na peça, o conteúdo do cisto está hemorrágico, provavelmente por sangramento no ato cirúrgico. 
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Lâmina A. 
Áreas selecionadas, detalhes. 

Foram selecionadas três áreas de  interesse para estudo histológico. 

As áreas 1 e 2 correspondem ao córtex da cúpula do giro (porção mais alta e superficial). 

A área 3 é representativa do 'elemento glioneuronal específico', patognomônico da entidade. 

Para microscopia clique :  área 1, área 2área 3

Para esquema semelhante na lâmina B, clique

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Lâmina A. 
Área 1. 

Córtex sobre o DNET.

Córtex cerebral sobre a lesão, mostrando uma área mais clara no centro, que corresponde a maior concentração de oligodendrócitos (ou células semelhantes), com núcleo redondo denso e pequeno em amplo citoplasma claro, dando o clássico aspecto 'em ovo frito'.  Embora a lesão esteja topograficamente nas camadas médias do córtex, há poucos neurônios visíveis. 

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Lâmina A. 
Área 2. 

Córtex sobre o DNET.

Nesta outra área de córtex, a riqueza em oligodendrócitos não é mais vista. Observam-se acúmulos de material basófilo amorfo no interstício, formando lagos, freqüentemente em volta dos neurônios e vasos. Não raro, os neurônios são totalmente circundados pelo fluido, parecendo 'flutuar' ('neurônios flutuantes'). O mesmo se observa na área 3, que é representativa do 'elemento glioneuronal específico'.  O aspecto é mais acentuado nas camadas mais profundas do córtex. 

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Lâmina A.
Área 3. 

Elemento glioneuronal específico.

Esta área é representativa do 'elemento glioneuronal específico', cuja arquitetura é patognomônica da entidade 'tumor neuroepitelial disembrioplásico' ou DNET.  A estrutura é constituída por colunas de pequenas células lembrando oligodendrócitos, pelo núcleo pequeno e redondo e citoplasma escasso. Entre elas há abundante fluido homogêneo, que se cora em rosa na HE, e pelo qual passam axônios paralelos em arranjo frouxo, às vezes em feixes (estes são melhor vistos com NF, MAP2 e tubulina. Alguns neurônios estão aparentemente  'soltos' no fluido, daí o termo 'neurônios flutuantes' (melhor vistos com MAP2).  Há também alguns poucos astrócitos (ver GFAP, VIM).

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Lâmina B. 

Como a lesão era pequena e restrita, documentamos também um corte por área próxima. Os achados se superpõem aos já expostos acima.  Detalhes abaixo. 

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Lâmina B. 

O córtex na área do DNET é rico em oligodendrócitos e pobre em neurônios.  Aqui é visto como uma pequena área no giro vizinho, à direita do mais afetado, e enquadrado no retângulo verde como área 1

Áreas da cúpula do giro, sobre o cisto, enquadradas como áreas 2 em vermelho mostram material amorfo basófilo englobando 'neurônios flutuantes' nas camadas mais profundas. 

O elemento glioneuronal específico, patognomônico do DNET está nas margens do cisto, e aqui é estudado nas duas áreas enquadradas por retângulos azuis como 3a e 3 b. 

As áreas são comparáveis às já demonstradas no primeiro corte, com a mesma codificação por cores.  Para microscopia em detalhe deste corte, clique : 
área 1, área 2áreas 3a, 3b.  

Para esquema semelhante na lâmina A, clique.

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Lâmina B. 
Área 1. 

Córtex  próximo ao DNET

Córtex cerebral no giro vizinho, mostrando a alteração mais leve do DNET - aumento da população de oligodendrócitos (ou células  semelhantes), com aspecto em 'ovo frito' na camada molecular (junto à meninge).  É análoga à área 1 da lâmina A, mas aqui a alteração é mais superficial.

 

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Lâmina B.  Área 2.  Córtex da cúpula do giro mais afetado pelo DNET.

O córtex recobre o cisto formado pela lesão. As camadas superficiais são próximas do normal. Nas camadas profundas, observa-se alargamento dos espaços intersticiais por material amorfo, levemente basófilo, que circunda neurônios, dando o aspecto clássico de 'neurônios flutuantes' que caracterizam o DNET.  Há também aumento na população de oligodendrócitos, com redução dos neurônios, como já visto na área 1. Para área semelhante na outra lâmina, clique

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Lâmina B.  Área 3a. 

'Elemento glioneuronal específico' do DNET.

Corte tangencial pela margem do cisto contendo o 'elemento glioneuronal específico', cuja arquitetura é patognomônica do DNET.  Observa-se  acúmulo intersticial de material amorfo, especialmente entre neurônios, dando o aspecto de 'neurônios flutuantes'. Entre estes, cursam feixes de axônios em orientação perpendicular à superfície do giro. Para aspectos semelhantes na lâmina A, área 3, clique

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Lâmina B.  Área 3a. 

Textura frouxa do tecido nervoso, com os neurônios aparecendo 'soltos' no tecido, ou circundados pelo material fluido amorfo. Os acúmulos de sangue se devem à ruptura dos capilares pela manipulação cirúrgica. 

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Neurônios dismórficos.  Os neurônios participantes do DNET freqüentemente apresentam anormalidades morfológicas.  Alguns têm corpo celular globoso, parecendo não ter dendritos. Podem lembrar neurônios multipolares, ou seu maior eixo estar orientado obliquamente. A maioria tem aspecto de neurônios piramidais. Independente da morfologia, a regra é estarem separados do neurópilo vizinho por um espaço, que pode estar preenchido por fluido ou material amorfo levemente basófilo ou acidófilo, justificando o termo 'neurônios flutuantes'. 
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Lâmina B.  Área 3b.  'Elemento glioneuronal específico' do DNET.  Esta pequena área na margem oposta do cisto em relação à área 3a também demonstra o 'elemento glioneuronal específico' do DNET. Aqui predominam axônios frouxamente arranjados em feixes paralelos à superfície do cisto.  'Neurônios flutuantes' são vistos em meio ao material amorfo que separa os axônios. Ver destaques da imunohistoquímica
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Tumor  neuroepitelial  disembrioplásico  (DNT, DNET). 

Definição.  Neoplasia glioneuronal benigna, geralmente supratentorial, que ocorre em crianças e adultos jovens.  Caracteriza-se por localização predominantemente cortical e crises convulsivas resistentes a medicação. Tipicamente mostra arquitetura colunar (incluindo o ‘elemento glioneuronal específico’) e multinodular, e está freqüentemente associado a displasia cortical. Corresponde ao grau I da OMS. Acompanhamento prolongado não mostra evidência clínica ou radiológica de recidiva mesmo com remoção incompleta. 

Incidência.  Em séries de cirurgia da epilepsia, a incidência de DNETs ‘típicos’ foi de 12% em adultos e 13,5% em crianças. Em séries que incluem variações histológicas ‘inespecíficas’,  a identificação subiu para 19 a 22%.  Em uma série de tumores neuroepiteliais, DNETs constituíram 1,2% em pacientes abaixo dos 20 anos e 0,2% dos acima de 20 anos de idade.  Em cerca de 90% dos casos a primeira crise convulsiva ocorreu antes dos 20 anos. A idade de início das manifestações variou de 3 semanas a 38 anos. É referida maior incidência no sexo masculino. 

Localização.  Podem ocorrer em qualquer parte do córtex supratentorial, mas mostram predileção pelo lobo temporal (cerca de 50% dos casos), preferencialmente por estruturas mesiais.  Há cerca de 25 casos extracorticais relatados, envolvendo estruturas como o núcleo caudado, septo pelúcido, mesencéfalo e tectum mesencefálico, tronco cerebral e cerebelo.  Há também raros casos multifocais. 

Clínica.  Crises parciais resistentes a medicação, com ou sem generalização secundária, e sem déficits neurológicos. A duração e freqüência das crises são amplamente variáveis. 

Neuroimagem.  A topografia cortical, ausência de efeito de massa e edema peritumoral são importantes critérios de diagnóstico diferencial com os gliomas.  As lesões envolvem geralmente toda a espessura do córtex e podem atingir também a substância branca numa minoria dos casos.  São hiperintensos em T2 e FLAIR e hipointensos em T1. Freqüentemente têm aparência multicística, mas cistos verdadeiros são incomuns e são geralmente pequenos.  Em tumores na convexidade, pode haver deformação óssea da tábua interna por compressão crônica pelo tumor (um achado que apóia o diagnóstico de DNET).  Calcificações são freqüentemente vistas na TC.  Cerca de 1/3 dos casos mostram captação de contraste na RM. 

Macro.  DNETs variam em tamanho de alguns milímetros a vários centímetros. Em corte, apresentam aspecto viscoso associado ao ‘elemento glioneuronal específico’, e podem ter um ou mais nódulos mais firmes. O córtex envolvido está expandido. 

Micro.  A principal feição histológica é o ‘elemento glioneuronal específico’ caracterizado por colunas orientadas perpendicularmente à superfície cortical. São formadas por feixes de axônios associados a pequenas células semelhantes a oligodendrócitos. Entre estas colunas, neurônios com características citológicas normais parecem flutuar em uma matriz palidamente eosinófila. Há astrócitos esparsos GFAP positivos associados. Na dependência da quantidade de fluido, a estrutura colunar pode aparecer alveolar ou compacta. Variações histológicas não têm significado clínico ou terapêutico. 

Na forma ‘simples’, o tumor consiste apenas no ‘elemento glioneuronal específico’.  Pode haver intercalamento de áreas de DNET com outras de córtex normal. 

Na forma ‘complexa’ há associação do ‘elemento glioneuronal específico’com nódulos gliais, que dão ao tumor arquitetura multinodular. Pode haver variação das populações de astrócitos, oligodendrócitos e neurônios área a área no mesmo tumor, podendo chegar a simular gliomas de baixo grau, inclusive com atipias, raras mitoses ou proliferação vascular.  Pode haver associação com áreas de displasia cortical em até 80% dos casos, com amostragem adequada. 

Os neurônios associados ao DNET podem ter aspecto normal ou mostrar anormalidades citológicas, sem chegar a intensas como nos gangliogliomas. 

Estudos com hibridização in situ mostraram que as células semelhantes a oligodendrócitos transcrevem genes e expressam proteínas da mielina, indicando real diferenciação oligodendrocitária. 

Índice Ki67 varia de 0 a 8% focalmente. 

Histogênese. Há vários fatores sugestivos de que DNETs têm origem malformativa, entre eles a associação com displasia cortical, com neurônios ectópicos na substância branca, idade precoce do início dos sintomas e deformidade óssea adjacente aos tumores. 

Prognóstico. São benignos.  Numa série de 53 pacientes com diagnóstico pré-operatório por TC e RM  e acompanhamento médio de 4,5 anos, não houve evidência de recidiva mesmo em casos com remoção parcial da lesão.  Até 2007 havia cerca de 700 casos de DNET descritos, apenas 2 com transformação maligna. 

Fonte.  Daumas-Duport C, Pietsch T, Hawkins C, Shankar SK.   Dysembryoplastic neuroepithelial tumour.    In  WHO Classification of Tumours of the Central Nervous System. 4th Ed.  Louis DN, Ohgaki H, Wiestler OD, Cavenee WK editors.  International Agency for Research on Cancer, Lyon, 2007.  pp 99-102.
 

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Agradecimentos. Caso gentilmente contribuído pelo Prof. Dr. Helder Tedeschi, neurocirurgião responsável pelo caso. Processamento do material e  preparações histológicas, Srta. Viviane Ubiali e Sr. Aparecido Paulo de Moraes.  Depto. de Anatomia Patológica da FCM-UNICAMP, Campinas SP. 
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Mais imagens deste caso,  texto:
RM, fotos da cirurgia, macro  HE Tricrômico de Masson LFB - Nissl
IH para neurônios: MAP2 IH para neurônios: NF, tubulina IH para glia : GFAP, VIM, S-100 IH - CD34, Ki-67
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Textos sobre DNET (1) (2) Características de imagem dos DNETs Neuroimagem e neuropatologia de outros casos de DNET
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