Neurocisticercose

 
A infestação pela larva da Taenia solium, o Cysticercus cellulosae, é a parasitose do SNC mais comum em nosso meio. (A larva da T. saginata, o Cysticercus bovis, não parasita o homem).  A incidência em necrópsias de um hospital geral (HC-UNICAMP) foi de 3 % acima de 2 meses de idade (Hellmeister e Lopes de Faria, 1972).

As lesões são crônicas, não raro graves ou letais, atingindo população jovem e economicamente ativa. Na Clínica Neurológica da FCM-UNICAMP a idade média no início do quadro foi de 20 anos e a duração média da doença 10 anos (tese da Profa. Elisabeth Quagliato).

O homem é o hospedeiro definitivo da Taenia solium. Abriga no intestino o verme adulto (solitária), e elimina nas fezes os proglotes maduros contendo ovos embrionados (embrióforos). Estes, ingeridos pelo hospedeiro intermediário (porco), perdem a casca por ação do suco gástrico. Os embriões (oncosferas) penetram na mucosa gástrica e vão por via sanguinea aos tecidos, onde se desenvolvem em cisticercos. A ingestão de carne suína mal cozida, contaminada com cisticercos, leva ao desenvolvimento da tênia no intestino humano, completando-se o ciclo.

O homem pode servir de hospedeiro intermediário quando ovos de T. solium chegam ao estômago, o que pode ocorrer em três condições:

a) heteroinfestação, mais comum, quando são ingeridos ovos contidos em água ou alimentos contaminados com fezes humanas ou manipulados por portadores de teníase;

b) autoinfestação externa: portadores de teníase que se autocontaminam com ovos pela via fecal-oral;

c) autoinfestação interna, resultante de suposto refluxo de conteúdo intestinal para estômago (duvidosa).

Uma vez na circulação, os embriões se distribuem em todo o organismo, mas só aqueles que atingem tecidos onde o microambiente é favorável se desenvolvem em larvas.
O SNC é a sede mais comum e, menos freqüentemente, os globos oculares, músculo esquelético e tecido celular subcutâneo. A localização nos dois últimos é assintomática.
No olho o cisticerco geralmente se situa na coróide e com seu crescimento descola a retina ou a perfura e ganha o humor vítreo. Causa reação inflamatória, como exsudato no vítreo, irites, iridociclites, uveítes, catarata e panoftalmia. A evolução é para opacificação dos meios e cegueira.

Anatomia Patológica

Localização.  No SNC a infestação costuma ser múltipla. Em 70% dos casos há vesículas na leptomeninge da convexidade cerebral; em 35% no parênquima, com preferência pela substância cinzenta; em 16% nos ventrículos, especialmente no IVº ventrículo; em 9% nas cisternas da base. A localização espinal é rara.

Formas de cisticerco: Há duas, cellulosae e racemosa

Cisticerco cellulosae. A forma mais comum é a cellulosae, que consiste de vesícula esférica (1-2 cm), contendo líquido límpido e incolor. A cabeça da larva ou escólex está invaginada na vesícula e presa à parede interna por um colo. Cortes do escólex revelam formações tubulares revestidas por epitélio, que constituem o aparelho digestivo rudimentar. Por vezes notam-se acúleos, que a larva utilizará para fixar-se no intestino. A membrana da vesícula tem uma camada externa delgada, mas densa e com microvilosidades, que faz contato com o hospedeiro. Mais internamente há outra camada, mais espessa e frouxa, com canalículos. A membrana é responsável pela absorção de nutrientes.

Os cisticercos nas meninges da convexidade e no tecido nervoso são do tipo cellulosae e comumente causam apenas discreta reação inflamatória crônica. Pode formar-se fina cápsula fibrosa em torno do cisticerco se estiver na leptomeninge ou uma camada de gliose se no parênquima. A sobrevida do parasita pode ser até de alguns anos (de 3 a 6). Quando morre, a liberação de antígenos agrava a reação inflamatória. A larva necrótica pode sofrer calcificação ou desaparecer.

Larvas nos ventrículos são também mais freqüentemente do tipo cellulosae e chegam através do plexo coróideo. Podem ser arrastadas pelo líquor para o espaço subaracnóideo ou ficar aprisionadas nos ventrículos, onde podem causar bloqueio súbito com hipertensão intracraniana aguda. Mais comumente situam-se no IVº ventrículo, onde aderem ao epêndima por reação inflamatória crônica e gliose, levando a hidrocefalia.

Cisticerco racemoso. Quando cisticercos se localizam nas cisternas da base ou nos ventrículos podem sofrer transformação em que novas vesículas brotam da membrana, tomando aspecto de bagos de uva. Esta forma chama-se cisticerco racemoso. No processo, perde o escólex.

A forma racemosa expande-se no espaço subaracnóideo da base e pode penetrar no sulco de Sylvius ou na fissura interhemisférica. Forma cistos volumosos (3 ou mais cm.), ocupa espaço e desloca estruturas, com desvio da linha média e eventualmente hérnias.

Os cisticercos racemosos provocam reação inflamatória intensa na leptomeninge, com granulomas e fibrose que dificultam a circulação liquórica (leptomeningite crônica cisticercósica).

Os vasos da base podem mostrar endarterite produtiva, com espessamento da íntima e trombose, causando infartos no encéfalo.

Quadro clínico

A neurocisticose pode ser assintomática, por exemplo, quando vesícula cellulosae única se localiza em região silenciosa como os lobos frontais. Pode também originar sinais e sintomas variados, que são agrupados em síndromes:

  • a) Síndrome de hipertensão intracraniana, que pode ser devida a meningite crônica de base, obstrução ventricular por vesículas e/ou ependimite, formas racemosas que se apresentam como lesões expansivas ou edema cerebral relacionado à presença de parasitas.
  • b) Síndrome convulsiva: predominam crises localizadas do tipo Bravais-Jackson, com generalização secundária. Na Clínica Neurológica da FCM-UNICAMP a neurocisticercose foi causa de 15% das epilepsias atendidas no Ambulatório. Em 40% dos casos havia alterações no EEG. Crises convulsivas devem-se à irritação crônica do córtex cerebral pela reação inflamatória e gliose.
  • c) Com menor freqüência podem também ser observadas síndromes psiquiátricas e sinais de localização, como hemiparesias, distúrbios cerebelares ou disfunções dos nervos cranianos.


O diagnóstico de neurocisticercose baseia-se no exame do líquor e em exames de imagem.

O LCR apresenta pleocitose, com cerca de 50 céls./mm3 (normal 0-3), predomínio de linfomononucleares, eosinofiloraquia (em dois terços dos casos há mais de 2% de eosinófilos) e reações imunológicas positivas, entre elas a reação de fixação do complemento ou de Weinberg. Há também hiperproteinoraquia (30 a 70 mg/100 ml), mas a glicoraquia permanece normal. Na cisticercose racemosa estas alterações podem ser mais acentuadas.

A tomografia computadorizada permite o diagnóstico em 99% dos casos, demonstrando número, tamanho e localização das vesículas e calcificações, e revela se há hidrocefalia e edema cerebral. Vesículas totalmente circundadas por líquor, como as intraventriculares, só são demonstradas por ressonância magnética. Esta, contudo, não é adequada para demonstrar parasitas calcificados.  A radiografia simples de crânio só é de valia em casos com calcificações (10 a 16%) e estas só se formam após alguns anos.

Tratamento. Atualmente a neurocisticercose pode ser tratada por via oral pelo praziquantel, um antihelmíntico pirazino-isoquinoleínico. O agente atinge no cérebro concentração de 1/7 dos níveis plasmáticos e mata os cisticercos. Tomografias mostram regressão das vesículas. Formas intraparenquimatosas respondem melhor que as intraventriculares; para estas pode ser necessária extração cirúrgica. O início do tratamento pode ser acompanhado por acentuada piora clínica, devida à liberação de antígenos e exacerbação da reação inflamatória. Por isso, os pacientes precisam permanecer internados.


 
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