Neupatimagem-UNICAMP

Necrose hemorrágica cerebelar
na doença falciforme

As fotos nesta página provêm de dois raros casos de necrose hemorrágica (ou infarto hemorrágico) do cerebelo na anemia falciforme. As alterações macro- e microscópicas aqui apresentadas foram obtidas de dois casos observados em intervalo de 30 anos, o que ilustra a extrema raridade destes achados.

As fotos macroscópicas são de um caso recente de criança 6 dias pós parto, que apresentou infecção do cordão umbelical (onfalite) e da parede abdominal vizinha, resultando em choque séptico. A lesão hemorrágica restrita ao córtex cerebelar nos recordou outro caso, que necropsiamos há exatos 30 anos, de uma criança de 6 meses, também portadora de anemia falciforme, e que faleceu vítima de septicemia. A lesão cerebelar foi achado de autópsia. Não havia lesões semelhantes no restante do cérebro ou em outros órgãos. O caso foi publicado por nós em 1978 [Queiroz LS, Billis A. Necrose cerebelar extensa na anemia falciforme. Relato de um caso. Arq. Neuropsiquiat (S. Paulo) 36: 357-64, 1978]. Atualmente, não temos mais documentação macroscópica daquele caso.

Fotos microscópicas. O caso recente nos levou a rever as lâminas do caso de 1977. Como as alterações microscópicas eram mais expressivas e de melhor qualidade no caso antigo, as lâminas originais foram refotografadas digitalmente, sem necessidade de recoloração ou remontagem. São apresentadas aqui para ilustrar a morfologia das hemácias falcizadas, e como podem impactar-se em pequenos vasos e causar lesão do tecido nervoso. Para morfologia de hemácias falcizadas, ver também um caso de placenta de mãe com anemia falciforme, e feto com hemácias normais.

Necrose hemorrágica do cerebelo na anemia falciforme. Macroscopia. As alterações dignas de documentação restringiam-se ao sistema nervoso central. Chamava a atenção o aspecto escuro (hemorrágico) difuso do córtex cerebelar, que contrastava fortemente com o restante do cérebro, aparentemente sem alterações. Abaixo, fotos do cerebelo na peça a fresco e após fixação.

A lesão afetava igualmente as superfícies superior e inferior do cerebelo, tanto do vermis quanto dos hemisférios. O centro branco medular do cerebelo, núcleos denteados, tronco cerebral e hemisférios cerebrais eram poupados.

Na superfície de corte do cerebelo, aspecto pardacento difuso ou múltiplos pequenos pontos hemorrágicos (petéquias) restritos ao córtex.

Cortes frontais (coronais) dos hemisférios cerebrais - sem particularidades.

HE - CEREBELO

Hemorragias petequiais.

No córtex cerebelar chamavam a atenção numerosas pequenas hemorragias, em localização subpial, ou no próprio córtex. Nestas hemorragias era comum observar-se hemácias falcizadas.

Capilares obstruídos. Nas proximidades de pequenas hemorragias, alguns capilares estavam ingurgitados, possivelmente trombosados por hemácias falcizadas. Alguns pareciam rotos, deixando escapar as hemácias anômalas. Em outros capilares, o aspecto era normal, contendo hemácias sem alterações morfológicas.

Hemácias falcizadas. As hemácias falcizadas eram observadas principalmente nas hemorragias petequiais abundantes no córtex cerebelar e misturavam-se a hemácias normais. As falcizadas eram caracteristicamente alongadas, de extremidades ponteagudas, e não raro recurvadas em forma de foice.

Necrose do córtex cerebelar. Observava-se necrose incipiente do córtex cerebelar em todas as áreas examinadas, atribuída à anóxia associada à trombose de muitos capilares. Na camada molecular havia aumento da celularidade, com macrófagos fagocitando restos necróticos. Várias células de Purkinje mostravam necrose recente. Havia também extensas áreas do córtex onde estas células, sabidamente sensíveis à anóxia, tinham desaparecido por completo.

Necrose de células de Purkinje. As células de Purkinje com necrose recente mostravam picnose nuclear, cariolise, fragmentação da cromatina, e eosinofilia do citoplasma.

ACIMA: uma célula de Purkinje necrótica, com citoplasma eosinófilo e núcleo com fragmentação da cromatina. Os dois macrófagos que se aproximaram para fagocitar os restos necróticos estão fora do foco na primeira foto, e em foco na segunda (nesta, perdeu-se o núcleo da célula morta).