Síndromes  mielodisplásicas
(texto de apoio)  Prof.  Dr.  José  Vassallo

 
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ÍNDICE  ALFABÉTICO

 
 

SÍNDROMES MIELODISPLÁSICAS

  • As síndromes mielodisplásicas (SMD) constituem um grupo heterogêneo de anomalias crônicas, que apresentam em comum a redução de uma ou mais linhagens hemopoéticas, responsável por mono, bi ou pancitopenia; esta redução deve-se a anormalidades genéticas clonais da célula totipotente hematopoética. 
  • Além desta característica, as SMD podem apresentar graus variados de risco de evolução para leucemia aguda, o que lhe valeu a designação errônea de “pré-leucemia”; este termo é impróprio, pois nem sempre há evolução para leucemia aguda (LA);
  • Grande parte dos pacientes que padecem de SMD falecem em conseqüência de complicações decorrentes das citopenias, como infecções (decorrentes da neutropenia) e hemorragias (decorrentes da plaquetopenia). Apenas uma parte dos indivíduos desenvolverá LA, em tempos variáveis, dependendo do tipo de SMD (ver Quadro 1, abaixo). A exata incidência de SMD na população é difícil de ser estimada.
Quadro 1: Classificação Franco-Americana-Britânica (FAB) das SMD
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- AR (anemia refratária);
- ARSA (anemia refratária com sideroblastos em anel);
- AREB (anemia refratária com excesso de blastos);
- AREB-t. (anemia refratária com excesso de blastos em transformação);
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HISTÓRICO

Os diferentes tipos de SMD foram reconhecidos como entidades clínicas já em 1938 por Rhoades e Barker, primeiramente em um grande grupo de anemias refratárias (AR) a tratamento (em oposição às anemias decorrentes de carência alimentar, que respondem à reposição dos elementos em falta no organismo).

Os pacientes portadores de AR necessitam, desta forma, de reposição transfusional dos elementos sangüíneos, como ocorre nos indivíduos com anemia aplásica (AA). Diferentemente desta, entretanto, freqüentemente a medula óssea dos indivíduos com AR é normo ou hipercelular. Apenas em pequena porcentagem dos casos a medula é hipocelular, causando problemas no diagnóstico diferencial morfológico com AA.

Outro grupo de processos patológicos reconhecido no passado foi denominado pré-leucemia, pois eram condições que evoluiam com grande freqüência para LA; o termo “anemia pré-leucêmica” foi cunhado por Hamilton-Paterson em 1949 e “pré-leucemia” por Block e cols em 1953.  À medida que que estes dois grupos de doenças foram estudados em maior profundidade, chegou-se a uma relativa unificação de conceitos, englobando as AR e as pré-leucemias num grupo denominado síndromes mielodisplásicas (SMD).
 

PATOGÊNESE

  • A patogênese das SMD primárias é desconhecida. Acredita-se que fatores inerentes à senescência hemopoética relacionada à idade desempenhem um papel importante como fator iniciador precoce, levando à expansão de um clone geneticamente instável.  Alterações moleculares (detectadas mais tardiamente no curso da doença) representariam fatores adicionais que confeririam vantagem seletiva de proliferação celular.
  • Nas últimas décadas tem ficado mais evidente que indivíduos submetidos a radio e quimioterapia, ou expostos cronicamente a fatores ambientais (radiação, benzeno) têm maior risco de desenvolver LA; esta, particularmente a leucemia mielóide aguda, pode ser precedida de meses ou anos por uma SMD; estes pacientes também podem falecer em decorrência das complicações da hemopoese ineficaz, mesmo sem desenvolver LA franca.  Nestes casos, pelo fato de haver histórico de exposição prévia a agentes tóxicos, a SMD é designada como secundária. Além do relato de contacto com agentes tóxicos, a SMD secundária difere da primária, pois pode atingir qualquer faixa etária. 


CLÍNICA

Clinicamente, as SMD caracterizam-se por acometer preferencialmente adultos mais velhos, com média por volta dos 70 anos; o acometimento de crianças e jovens é pouco freqüente. A sintomatologia é dependente da linhagem hemopoética acometida, sendo mais freqüentes os sinais e sintomas secundários à anemia; é comum o paciente contar história de tratamento crônico e refratário a reposição de ferro e vitaminas do complexo B, ou ter tido necessidade de transfusão sangüínea prévia. História de infecções ou fenômenos hemorrágicos (petéquias, equimoses, gengivorragia, epistaxis) pode ser relatada. 
Porém, há casos em que o primeiro diagnóstico de um processo de insuficiência medular é feito através de um hemograma rotineiro, onde se constata uma ou mais citopenias. Nestas situações, o curso clínico é crônico e o quadro hematológico corresponde ao das AR. 

QUADRO   LABORATORIAL

Na anemia refratária (AR) a contagem de blastos (células imaturas atípicas das linhagens hemopoéticas) na medula óssea deve ser inferior a 5%, enquanto que os blastos não devem estar presentes no sangue periférico, ou, se estiverem, não devem exceder 1% dos elementos nucleados.

Em outro grupo de AR, o exame do mielograma revela grande número de sideroblastos em anel: é a chamada anemia refratária com sideroblastos em anel (ARSA). Na ARSA, estas células devem corresponder a pelo menos 15% dos elementos nucleados medulares. Os sideroblastos em anel são visualizados como eritroblastos contendo depósitos granulares perinucleares de ferro, formando um colar, visualizados à reação citoquímica do azul da Prússia (ou de Perls). A ARSA pode conter apenas atipias na série eritroblástica ou também nas séries granulocítica e megacariocítica. A sobrevida de 5 anos difere nos dois casos, sendo de cerca de 70% quando as atipias são isoladas na série eritróide e de 20% quando estas estão presentes nas demais séries.

À medida que a contagem de blastos cresce na medula e no sangue periférico, temos as anemias refratárias com excesso de blastos (AREB).  Se a contagem de blastos medulares estiver entre 5 e 20% e no sangue periférico for inferior a 5%, designaremos a AR apenas como excesso de blastos. Caso os blastos medulares excedam os 20% e não ultrapassem os 30% (limite para o diagnóstico de uma LA), com blastos no sangue periférico no limite inferior a 5%, a AREB será designada como em transformação (AREB-t).

A evolução clínica pode ser de poucos meses (na AREB-t e AREB) até alguns anos (AR e ARSA). O maior risco de desenvolvimento de LA ocorre entre a AREB-t e a AREB. A LA não é necessariamente mielóide (mais freqüente), mas pode ser linfóide ou mesmo mista. Este fato corrobora o defeito molecular em células hemopoéticas totipotentes muito primitivas. 

Além da história clínica e do exame físico e de hemograma, o diagnóstico de SMD inclui o estudo da medula óssea (citologia, citoquímica e histologia). Nos esfregaços citológicos, além dos blastos, são observadas atipias nas três séries hemopoéticas. 
 

  • Na eritroblástica vemos a diseritropoese (sideroblastos em anel, multinucleação de elementos, fragmentação nuclear de vários tamanhos, irregularidades nos contornos nucleares e irregularidades na coloração citoplasmática. 
  • Na granulocítica (disgranulopoese) podemos encontrar redução ou ausência de grânulos (hipo ou agranulação), persistência de basofilia nas células maduras, hipossegmentação nuclear (anomalia semelhante à de Pelger-Huët, também denominada pseudo-Pelger-Huët), ou hipersegmentação nuclear. 
  • A dismegacariopoese é representada pelos micromegacariócitos (elementos anões), megacariócitos grandes mononucleados, megacariócitos com múltiplos pequenos núcleos separados, além de poderem apresentar grânulos grosseiros e anormais;


O exame citoquímico pode auxiliar na definição da linhagem de algumas células atípicas ou imaturas, ou mesmo na detecção dos depósitos anômalos de ferro (sideroblastos em anel). 

A biópsia de medula óssea auxilia na determinação da celularidade (geralmente esta encontra-se normal ou aumentada), anomalias topográficas dos elementos hemopoéticos (agrupamentos de megacariócitos atípicos, agrupamentos de elementos imaturos longe de seu local habitual, que é a trabécula óssea) e atipias de elementos isolados. No caso de tratar-se de medula óssea hipocelular, nossa experiência tem demonstrado que a presença de megacariócitos atípicos agrupados são forte indício de SMD hipocelular, afastando o diagnóstico de uma anemia aplásica. O exame histológico da medula óssea ajuda também a afastar causas secundárias de dismielopoese (atipias das séries hemopoéticas), como é o caso de certas infecções (como pelo vírus HIV) e infiltração por neoplasias, em particular por linfomas malignos;

Importante ferramenta no diagnóstico das SMD é representada pela citogenética. Porquanto a ausência de anomalias citogenéticas não afaste o diagnóstico de SMD, a presença das mesmas é ponto muito favorável ao seu diagnóstico. Ainda não há um marcador citogenético específico para SMD ou para cada um de seus tipos. A presença de alterações citogenéticas múltiplas representa fator de pior prognóstico que as simples ou cariótipo normal. 

Todos os dados clínicos e laboratoriais devem ser avaliados cuidadosamente em conjunto para o diagnóstico de uma SMD. Uma detalhada exclusão de causas secundárias de atipias celulares ou de citopenias deve ser levada a cabo, por vezes com prova terapêutica precedendo o diagnóstico formal (ex., através de tratamento com ferro e componentes do complexo vitamínico B);

Neste grupo de doenças, o fígado e o baço geralmente não se apresentam aumentados, ao contrário do que ocorre nas síndromes mieloproliferativas, em especial nas crônicas. Na vigência de transformação leucêmica, os blastos podem infiltrar estes órgãos, causando hepato- e esplenomegalia. Nos casos em que ocorre esplenomegalia, o seqüestro de elementos anômalos (e não um processo proliferativo) parece ser a sua causa. Infecções decorrentes da função anômala da série mielomonocítica podem ser causa de hepatoesplenomegalia transitória. Em pacientes com histórico de transfusões sangüíneas repetidas encontra-se intensa hemossiderose nos órgãos onde o sistema mononuclear-fagocítico é proeminente (fígado, baço, linfonodos e medula óssea);

PROGNÓSTICO

A porcentagem de blastos é o fator prognóstico isolado mais importante nas SMD. O prognóstico de cada subtipo de SMD, no que tange à evolução para LA, varia de menos que 10% na síndrome do 5q-, AR e ARSA, cerca de 30% na AREB, até mais de 50% na AREB-t. O prognóstico geral de mortalidade nos subtipos de SMD também é significativamente pior para a AREB e AREB-t do que para a AR e ARSA. A idade mais avançada constitui fator de pior prognóstico, bem como a existência de critérios para se considerar a SMD como secundária.

TRATAMENTO

O tratamento visa o controle das complicações (infecções, anemia e hemorragia). Atualmente, tem-se empregado cada vez mais o transplante de medula óssea, tentando-se erradicar os clones totipotentes anômalos do paciente e inserindo-se clones normais de um doador compatível. A quimioterapia está indicada quando ocorre transformação leucêmica. Nestes casos, a resposta à quimioterapia tende a ser pior que em indivíduos cuja LA não foi precedida por SMD.
 
 
 


 
QUADRO COMPARATIVO DAS LÂMINAS DE MEDULA ÓSSEA

 
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