Glioblastoma  multiforme 

 
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Nesta página, imunohistoquímica e nota histórica

 
IMUNOHISTOQUÍMICA
GFAP.  Filamento intermediário característico (mas não exclusivo) de astrócitos, marca o citoplasma das células neoplásicas, mesmo as com prolongamentos escassos ou inaparentes.  Nem todas células se coram. Capilares proliferados são negativos. Há figuras de mitose em várias fases. 
NF. Neurofilamento marca bem axônios, demonstrando com elegância as fibras nervosas remanescentes em áreas infiltradas pelo tumor. As células neoplásicas divulsionam os axônios, permeando entre eles sem limites nítidos. É este caráter infiltrativo que torna os gliomas malignos tão temíveis, pois é virtualmente impossível definir até onde chega o tumor. 
Estas imagens enfatizam também a importância da imunohistoquímica, mais que no diagnóstico (já evidente em HE), na compreensão da biologia dos tumores do sistema nervoso. Em HE, axônios  não são visíveis entre as células neoplásicas. 
NF - Área  sem  axônios. Em regiões mais profundas há apenas células tumorais. 
NF - Córtex cerebral normal para comparar. Em área próxima, não infiltrada pelo tumor. Abundantes axônios marcados por NF no neurópilo. Corpos celulares dos neurônios não se coram. 
CD34. Marca endotélio (além de vários outros tipos de célula). Em tecido nervoso é útil para demonstrar a rede vascular, realçando com grande nitidez a proliferação endotelial dos gliomas malignos. 
Pseudoglomérulos.   Capilares proliferados podem formar agrupamentos compactos que lembram a morfologia de glomérulos renais. 
CD-34. Córtex cerebral normal para comparar. Em área próxima, não infiltrada pelo tumor.  Os capilares mal chamam a atenção, por delicados e espaçados entre si. Os núcleos das células endoteliais não se superpõem. Notar que CD34 marca apenas a superfície luminal da célula endotelial.
Ki-67. Marcador de proliferação celular, positivo em pelo menos 10% dos núcleos (estimativa sem contagem). 
Mitoses. São também realçadas pelo Ki-67, pois o antígeno reconhecido é expressado nos cromossomos em todas as fases do ciclo celular, G1, S, G2 e M. Reconhecem-se as várias etapas da divisão mitótica. No caso, foram observadas apenas mitoses típicas. 
p53. Negativo. A negatividade indica que não há acúmulo de proteína p53 nos núcleos. Fala contra que uma mutação no gene p53 tenha tido papel na gênese do tumor neste caso em particular. 

NOTA  HISTÓRICA  - 
Estruturas de Scherer nos gliomas malignos. 
Hans-Joachim Scherer (1906-1945), pioneiro na pesquisa dos gliomas. 

Atualmente é raro que um artigo seja citado 50 anos após sua publicação. Uma exceção é o trabalho de Hans-Joachim Scherer, que nos anos 1930/40, publicou estudos pioneiros sobre a patologia do glioblastoma multiforme que se revelaram muito adiantados em relação ao pensamento biológico de seu tempo. 

Scherer nasceu em 14 de maio de 1906 em Bromberg, na então Prússia Ocidental, atualmente Bydgoszcz, Polônia. Estudou medicina em Munique e, em 1930, começou treinamento em Neuropatologia com Walter Spielmeyer (um dos grandes pioneiros da especialidade), indo depois a Berlim.  Em agosto de 1933, pouco depois da ascensão de Hitler ao poder, foi preso pela Gestapo. Libertado, fugiu para Antuérpia, na Bélgica, onde passou a trabalhar no Instituto Bunge, com o Prof. Ludo van Bogaert. Entre 1934 e 1941 publicou em revistas britânicas, francesas e americanas de renome a maior parte de seus trabalhos sobre a biologia e patologia dos gliomas, que o tornaram conhecido e citado até os dias de hoje.  Em 1941, estando a Bélgica sob ocupação nazista, foi forçado a voltar à Alemanha, onde morreu em 16 de abril de 1945, em Landshut, Bavária, num ataque militar, apenas três semanas antes do fim da guerra. Tinha então 39 anos. 
Seus estudos sobre gliomas começaram com uma publicação em 1933 sobre o significado do componente mesenquimal em tumores cerebrais.  Distinguiu na época :
a) o estroma mesenquimal como parte inerente do tumor
b) proliferações mesenquimais reativas a alterações regressivas no tumor (e.g. necrose) 
c) formação de vasos glomerulóides em gliomas malignos. 

Estudos sobre angiogênese em gliomas.  Em estudos subseqüentes (1935), Scherer concluiu que a proliferação vascular era uma conseqüência do crescimento dos gliomas. Assumiu que focos de necrose tinham papel de indução da proliferação vascular.  Muito adiante de seu tempo, postulou um fator de angiogênese (que chamou angiotaxis), pois observou que proliferações glomerulóides freqüentemente se desenvolviam na periferia de uma zona de infiltração, onde não havia células tumorais distinguíveis. Concluiu que, nas zonas necróticas, o tecido tumoral liberava um estimulante com efeito angioplásico. 

Essas observações sobre a interrelação espacial entre crescimento tumoral, necrose e proliferação vascular são totalmente apoiadas pelas pesquisas atuais, inclusive o achado de que o gene que codifica o VEGF (vascular endothelial growth factor) contém um elemento que responde a isquemia. 

Estruturas primárias, secundárias e terciárias dos gliomas malignos.  Estas são as observações pelas quais Scherer ficou melhor conhecido. 

As estruturas primárias ou próprias de um glioma foram definidas por ele como padrões morfológicos devidos à biologia intrínseca dos tumores, e que se manifestam independentemente de tecido pré-existente ou da infiltração destes pela neoplasia. Exemplos destas estruturas primárias são rosetas, pseudorosetas, redemoinhos, estruturas papilares, canaliculares etc. 

As estruturas secundárias têm origem na infiltração de tecido pré-existente pelas células neoplásicas. Ele descreveu oito tipos de estruturas secundárias, das quais as melhor conhecidas são os acúmulos subpiais de células tumorais. Estes resultam da migração do tumor pelo tecido, e da inabilidade das células de atravessar a membrana limitante pial para ganhar acesso ao espaço subaracnóideo.  Outras estruturas secundárias semelhantes foram reconhecidas na região subependimária, acúmulos de células neoplásicas em torno de vasos (no espaço de Virchow-Robin), em torno de neurônios (satelitose), e arranjo perifascicular ou intrafascicular das células ao dissecar entre feixes de axônios. Todos estes padrões são formados pelo tumor ao encontrar estruturas ou fronteiras naturais do tecido pre-existente.  Scherer considerou a satelitose perineuronal como um sinal precoce de infiltração neoplásica e notou que neurônios podem persistir por longos períodos no interior de um glioma maligno, a morte celular só ocorrendo tardiamente (neuronofagia tardia). 

As estruturas terciárias (também mencionadas no trabalho de 1938) são definidas como formações morfológicas resultantes da interação do glioma com células mesenquimais, por exemplo, a proliferação mesenquimal que se segue à invasão do espaço subaracnóideo pelo tumor. Esta proliferação secundária também ocorre como resultado de extensa necrose num glioblastoma, criando uma área dominada por elementos mesodérmicos, fibrosos e vasculares (Rubinstein).  A degeneração e necrose no tumor primeiro atrai numerosas células macrofágicas ou microgliais. Com o tempo há organização, que pode ser acompanhada por intensa neovascularização, com abundantes capilares num padrão telangiectásico. Finalmente, instala-se fibrose densa. 

Glioblastomas primários e secundários.  Ainda outra observação pioneira de Scherer estabeleceu a diferença entre os chamados glioblastomas primários e secundários.  Em sua publicação de 1940 sobre astrocitomas cerebrais, Scherer distinguiu estes dois tipos com base em seu modo de evolução. 

Os glioblastomas secundários originam-se de um astrocitoma pré-existente (de baixo grau), enquanto os glioblastomas primários (também chamados de novo) já se originam como tal, ou seja, como tumores de alta malignidade. Escreveu ele: “Do ponto de vista biológico e clínico, os glioblastomas secundários que se desenvolvem em um astrocitoma precisam ser distintos dos glioblastomas primários. Os secundários são provavelmente responsáveis pela maioria dos glioblastomas de longa evolução.” 

Isto novamente estava adiante do seu tempo. Acreditava-se na época que o glioblastoma era uma neoplasia separada (não relacionada aos astrocitomas), o que ainda se refletiu na classificação da OMS de 1979 quando os glioblastomas não foram agrupados com os astrocitomas, mas sim numa categoria a parte, de tumores embrionários e pouco diferenciados. 

Scherer foi o primeiro a apontar que os gliomas podem se desenvolver por duas vias distintas, ou seja, de novo (sem uma lesão precursora identificável), ou através de progressão a partir de um astrocitoma de baixo grau ou anaplásico. Estudos moleculares atuais mostram que estes dois subtipos desenvolvem-se através de vias genéticas distintas.  O glioblastoma primário tipicamente contém amplificação do receptor para EGF (epidermal growth factor), mutações no gene PTEN, amplificações de MDN2 e deleções de P16.  O glioblastoma secundário geralmente se inicia por uma mutação pontual no gene supressor tumoral p53. A duração total da doença é muito maior no glioblastoma secundário. Até hoje não há características morfológicas inequívocas que permitam distinguir estes dois subtipos de glioblastoma. 

O Prof. Lucien J. Rubinstein (um belga de origem judia, refugiado em Londres, onde iniciou sua carreira ao lado da Profa. Dorothy S. Russell, ambos autores de um dos mais importantes livros sobre tumores do sistema nervoso) escreveu: As contribuições de Scherer sobre os gliomas foram fundamentais para compreender os processos de expansão e infiltração destas neoplasias, e deram importantes informações sobre as relações entre tumor e hospedeiro. 
 

Extraído de 

  • Peiffer J, Kleihues P.  Hans-Joachim Scherer (1906-1945), pioneer in glioma research.  Brain Pathology 9:241-5, 1999.; 
com adições de 
  • Rubinstein LJ. Tumors of the Central Nervous System.  Atlas of Tumor Pathology, 2nd Series, Fascicle 6.  Armed Forces Institute of Pathology, Washington DC, 1972. 
Principais trabalhos de H-J Scherer sobre gliomas : 
  • Scherer HJ (1933) Die Bedeutung des Mesenchyms in Gliomen.  Virchows Arch 291:321-40.
  • Scherer HJ (1935) Gliomstudien III. Angioplastische Gliome. Virchows Arch 294:823-86.
  • Scherer HJ (1938) Structural development in gliomas. Am J Cancer 34:333-51.
  • Scherer HJ (1940) Cerebral astrocytomas and their derivatives. Am J Cancer 40: 159-98. 
  • Scherer HJ (1940) The forms of growth in gliomas and their practical significance. Brain 63:1-35. 
  • Scherer HJ (1940) The pathology of cerebral gliomas. A critical review. J Neurol 3:147-77.


Sobre a vida e obra do Prof. Rubinstein: 

  • Mut M, Lopes MBS, Shaffrey M (2005) Lucien J. Rubinstein: enduring contributions to neurooncology.  Neurosurg Focus 18 (4) E 8.  (pode ser obtido como PDF através de Google). 
 

 
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