Abscesso cerebral por Streptococcus intermedius  (botriomicose). 

 
O espécime cirúrgico consistia da cápsula do abscesso com pequena quantidade de exsudato purulento. 
Exsudato purulento:

Em HE, as colônias de bactérias (grãos botriomicóticos) são claramente visíveis como estruturas basófilas arredondadas, lembrando pequenos novelos, em meio aos piócitos do exsudato. 

CONTEÚDO DO ABSCESSO: Exsudato purulento com grãos botriomicóticos. O diagnóstico do agente etiológico (Streptococcus intermedius, do grupo Milleri), foi feito pela cultura. 
Há notável semelhança entre os grãos botriomicóticos aqui demonstrados e os da actinomicose, inclusive pela presença das clavas periféricas do material de Splendore-Hoeppli. A diferença está no tamanho dos grãos (os grãos actinomicóticos são maiores) e na morfologia dos microrganismos, que são cocóides (os actinomicetos são filamentosos). Detalhes nas colorações especiais, abaixo. 
CÁPSULA DO ABSCESSO: Reação inflamatória crônica inespecífica, com fibrose incipiente. 

 
PAS. Bactérias são PAS positivas, podendo-se individualizar os cocos com objetiva de imersão
Grocott. Impregnação argêntica normalmente usada para demonstração de fungos em cortes histológicos, apresenta bons resultados para grãos botriomicóticos (e também actinomicóticos).   Em grande aumento, às vezes é possível individualizar os cocos, que podem formar pequenas cadeias ou cachos. Microrganismos filamentosos não são observados.
Gram.  Cocos Gram-positivos freqüentemente arrranjados em cachos ou cadeias.  Não há microrganismos filamentosos, característicos da actinomicose. Este aspecto, portanto, permite o diagnóstico de botriomicose (ver abaixo).

 
BOTRIOMICOSE

Botriomicose (do grego botrys, semelhante a cacho de uvas) é uma pseudomicose crônica, localizada e progressiva, causada por algumas bactérias não filamentosas, usualmente cocos Gram-positivos e, menos freqüentemente, bacilos Gram-negativos. A infecção é mais comum em pele e tecidos moles, mas pode envolver vísceras.  As bactérias formam agregados grandes e organizados, chamados de grãos ou grânulos, que são característicos da doença. 
Clinicamente, a botriomicose (sinônimo - pseudomicose bacteriana) simula actinomicose e micetoma. 

Do ponto de vista microscópico, as colônias de bactérias que constituem os grãos botriomicóticos são muito semelhantes aos grãos da actinomicose em HE.  Em colorações especiais, como Gram e Grocott, a diferença é feita através da morfologia das bactérias, sendo que o Actinomyces  é filamentoso e as bactérias da botriomicose são cocóides ou baciliformes. 

Epidemiologia.   A botriomicose é esporádica em todo o mundo, ocorrendo em qualquer idade e ambos sexos (3 M : 2 F). A descrição original é de Opie (1913) e há cerca de 80 casos relatados.  A bactéria mais freqüentemente isolada é Staphylococcus aureus. Outras bactérias cultivadas a partir de grãos botriomicóticos são Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, Actinobacillus lignieresi, Neisseria mucosa, e espécies várias dos gêneros Bacillus, Bacteroides, Proteus e Streptococcus

Clínica.   Há duas formas, tegumentária (pele e tecidos moles) e visceral. 

Na forma tegumentária, os pacientes apresentam nódulo subcutâneo indurado com fistulização. São mais afetadas áreas expostas, como mãos, pés e cabeça, e pode haver antecedente de trauma penetrante. Pode haver extensão local a músculos e ossos, levando a osteomielite crônica e fibrose com deformidade local. Os grânulos amarelados podem ser vistos a olho nu no exsudato que drena pelas fístulas. Microscopicamente, são esféricos ou lobulados, 0,2 a 2.0 mm, e constituídos de colônias bacterianas. 

A forma visceral é rara e geralmente se desenvolve sem infecção tegumentar associada. Os órgãos mais freqüentemente envolvidos são pulmão, fígado, coração, cérebro, próstata e rim.  A maioria dos casos de botriomicose pulmonar foi descrita em crianças com fibrose cística. 

Patogênese.    Não se compreende bem a formação dos grânulos. Fatores responsáveis pela persistência e agregação das bactérias seriam baixa virulência dos germes ou baixa resistência do hospedeiro, tendo sido relatados casos em pacientes com doença granulomatosa crônica, deficiências de imunoglobulinas, diabetes mellitus e AIDS, entre outras. Geralmente só uma espécie de bactéria forma o grão, mas pode haver infecções mistas.

Anatomia Patológica.   As lesões são semelhantes a abscessos de outras causas, com cápsula formada por tecido de granulação e fibrose progressiva. Os neutrófilos do exsudato aderem à superfície dos grânulos. Também pode haver células gigantes. 

Em HE, as bactérias constituintes dos grânulos são hematoxifílicas (basófilas), incluídas em matriz eosinofílica ou anfofílica. É difícil distinguir as bactérias individualmente, mesmo com objetiva de imersão. Com imunofluorescência, demonstram-se imunoglobulinas entre as bactérias. Na periferia dos grânulos observa-se material proteico intensamente eosinofílico em arranjo digitiforme radiado, formando as chamadas clavas. Este material, também conhecido como de Splendore-Hoeppli, é muito semelhante ao observado em grãos actinomicóticos. 

Para distinguir as bactérias entre si, o melhor método é a coloração de Gram ou suas variantes. Impregnações pela prata, como os métodos de  Grocott ou Warthin-Starry, destacam as bactérias em preto e também permitem a individualização das mesmas, pelo menos na periferia dos grânulos. 

Diagnóstico diferencial.  Em HE os grãos de botriomicose podem ser indistinguíveis dos de actinomicose ou de micetoma actinomicótico.  A diferenciação é feita por colorações especiais e exame em objetiva de imersão, e pela cultura do material do abscesso. 

Fonte:  Botryomicosis.  Chandler FW, Watts JC.  in Connor DH, Chandler FW, Schwartz DA, Manz HJ & Lack EE.  Pathology of Infectious Diseases. 1997, Appleton & Lange, Stanford, CT, USA. pp 441-5.
 

Comentário. 

O fato de o paciente ser portador de uma cardiopatia congênita cianótica (ventrículo único do tipo E, com dupla via de entrada e comunicação interventricular) provavelmente facilitou a infecção, pois há mistura de sangue venoso e arterial. Bactérias provenientes da cavidade oral ou do tubo digestivo podem ter acesso direto à circulação cerebral, sem passar pela circulação pulmonar, que exerce um papel de filtração. 

O caso foi inicialmente diagnosticado como actinomicose cerebral pelo aspecto dos grãos em HE. Foi reclassificado como botriomicose em vista do resultado da cultura do material drenado do abscesso, que foi positiva para Streptococcus intermedius, e pelas colorações especiais, que revelaram cocos em cadeias ou agrupados, e não bactérias filamentosas. 
 

Actinomicose

Actinomyces são microrganismos pequenos, Gram-positivos e anaeróbicos. Tomam aspecto de finos filamentos ramificados, o que levou por muito tempo à sua inclusão entre os fungos. Atualmente são classificados entre as bactérias (assim como Nocardia sp.).  Têm distribuição mundial, com predomínio em áreas rurais. A maioria das infecções humanas são produzidas por Actinomyces israelii ou A. bovis, estando as bactérias situadas na cavidade oral, intestino grosso ou trato genital feminino.  Invadem os tecidos através de soluções de continuidade da mucosa ou de dentes cariados. O local mais acometido é o osso da mandíbula. Lesões no SNC são raras, geralmente secundárias a foco em outro local, por extensão direta ou via hematogênica.  São sensíveis à penicilina. 

Agradecimentos à Dra. Ângela von Novakonski, da seção de Microbiologia do Serviço de Patologia Clínica do Hospital das Clínicas da UNICAMP, pelo resultado da cultura e revisão das lâminas de histologia deste caso. 


 
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