Meningites  bacterianas

 
Por meningites entende-se infecções das leptomeninges (pia-máter e aracnóide) e do espaço subaracnóideo delimitado por ambas, portanto leptomeningites. (A dura-máter, por seu caráter colágeno denso, é resistente a infecções.)
O espaço subaracnóideo, preenchido por líquor, oferece pouca resistência a bactérias. Pelo contrário: provê nutrientes (glicose) e facilita a disseminação delas pela convexidade e base cerebrais, ventrículos e medula espinal. O afluxo de neutrófilos a partir dos vasos da leptomeninge pode ser insuficiente para debelar a infecção.

Rotas de infecção.

1) Acesso direto.

a) em fraturas de crânio, que estabelecem comunicação com o meio externo. No caso das fraturas da base do crânio, a comunicação é com os seios paranasais (frontal, etmoidais, esfenoidal) ou com o ouvido médio;

b) em crianças com defeitos congênitos de fechamento do tubo neural (spina bifida, meningocele, meningomielocele, meningo-encefalocele), parte do SNC está exposto sem a proteção da pele, geralmente na região lombo-sacra. Nestas crianças é muito freqüente a ocorrência de meningite;

c) em infecções iatrogênicas, causadas por punções liquóricas com agulhas contaminadas ou sem assepsia.


2) Por contigüidade, a partir de estruturas próximas, geralmente otites médias, mastoidites ou sinusites. O processo infeccioso pode erodir o osso, especialmente onde é delgado, ou propagar-se pelo interior de veias (tromboflebite séptica).

3) Por via hematogênica. Algumas bactérias, como o meningococo e o pneumococo, atingem o SNC pela corrente sangüínea. Êmbolos sépticos originam-se em válvulas cardíacas (endocardites bacterianas) ou no pulmão, em veias próximas de focos supurativos crônicos como bronquiectasias.

4) Através de derivações liquóricas. O uso de catéteres de derivação liquórica ventrículo-peritonial em casos de hidrocefalia pode facilitar a entrada de microorganismos no SNC. Isto é mais comum durante a instalação da válvula e o germe mais freqüente é o Staphylococcus albus.

Agentes etiológicos: variam com a idade .

Recém-nascidos até 3 meses:

Leptomeningites do período neonatal são mais freqüentemente por Escherichia coli encontrada na região perineal da mãe. RNs possuem anticorpos IgG recebidos da mãe contra grande número de germes. Porém, E. coli e outros Gram-negativos só são neutralizadas por anticorpos IgM que não são transferidos por via placentária nem sintetizados pela criança. Outros agentes: Streptococcus agalactiae, comum no canal de parto, e Listeria monocytogenes.

Após 3 meses e até 3 anos:

Hemophilus influenzae, Gram-negativo ubiquitário e altamente infectante. A infecção é transmitida por secreções nasofaríngeas. A partir de 4-5 anos a resistência adquirida faz baixar a incidência, rara após os 10 anos, mas pode reaparecer em adultos por queda de resistência.

Dos 3 aos 10 anos:

Meningococo (Neisseria meningiditis). O sorogrupo A (ou C) é responsável pelas epidemias de meningite purulenta, sendo o sorogrupo B pelos casos nos períodos interepidêmicos. Estes sorogrupos referem-se a antígenos polissacarídeos capsulares. A transmissão é por contato com secreções nasofaríngeas de doentes ou portadores. Fora de epidemia cerca de 20% da população abriga o germe.

Após os 10 anos e na idade adulta:

Pneumococo (Streptococcus pneumoniae), um coco Gram-positivo encapsulado, geralmente disposto aos pares. Usualmente está associado a um foco infeccioso, p. ex., pneumonia lobar ou otite média, ou fraturas de crânio.

Anatomia Patológica

As alterações nas meningites purulentas são semelhantes qualquer que seja o germe. Por isto são tratadas conjuntamente.

Aspecto macroscópico.

Em casos hiperagudos, com morte em menos de 24 horas, como por meningococo, as leptomeninges mostram-se congestas e edemaciadas, mas sem pus.

Se a sobrevida é de dois dias ou mais, haverá tempo para migração de leucócitos e o líquor apresenta-se desde turvo até purulento. O pus tende a acumular-se no espaço subaracnóideo da convexidade, particularmente ao longo das veias, formando duas linhas paralelas que lembram trilhos de trem. Há intensa hiperemia da leptomeninge.
O cérebro mostra-se muito edemaciado, com aplanamento dos giros, apagamento dos sulcos e eventuais hérnias.

Ao corte, os ventrículos podem estar dilatados devido à dificuldade de circulação do líquor pela presença de exsudato no espaço subaracnóideo. O epêndima e plexos coróideos podem ficar recobertos de pus (ependimite ou ventriculite). Às vezes, especialmente em crianças pequenas, os ventrículos ficam dilatados por abundante pus (pioencéfalo).

Aspecto microscópico.

Há acúmulo de incontáveis neutrófilos e fibrina no espaço subaracnóideo. O microrganismo causador (p. ex., o meningococo) pode às vezes ser demonstrado. Os vasos estão fortemente hiperemiados e podem apresentar trombos.
Com tratamento antibiótico, os neutrófilos são substituídos por macrófagos, linfócitos e plasmócitos. Se as drogas adequadas são empregadas precocemente, pode haver reabsorção do exsudato e restituição à normalidade. Senão, há organização do exsudato e fibrose da leptomeninge.
O tecido nervoso na fase inicial de uma meningite aguda apresenta alterações discretas, como hiperemia e edema.
Após alguns dias nota-se ativação da micróglia (núcleos maiores, alongados e mais evidentes) e astrócitos gemistocíticos, cuja presença é evidência segura de lesão do tecido nervoso.
Normalmente o exsudato não invade o parênquima, mas pode entrar nos espaços de Virchow-Robin (prolongamentos do espaço subaracnóideo ao redor dos vasos que penetram no córtex), comprimindo os vasos aí situados.

Complicações

Meningites bacterianas não tratadas apresentam mortalidade próxima de 100%. Mesmo casos tratados podem apresentar seqüelas permanentes:

1) Se não houver resolução do exsudato este se organiza, com fibrose do espaço subaracnóideo, dificultando o trânsito liquórico e causando hidrocefalia. Esta pode também resultar de obstrução ventricular por exsudato (na fase aguda) ou gliose subependimária (na fase crônica), p. ex., no aqueduto de Sylvius.

2) Trombose de vasos meníngeos ou redução de sua luz por endarterite produtiva pode causar áreas de infarto ou atrofia cerebral.

3) Lesão de nervos cranianos pode causar disfunção permanente, p. ex., surdez, estrabismo.

4) Coleções ou higromas subdurais consistem em uma bolsa de líquor represado sob pressão no espaço subdural, que comprime o cérebro e pode requerer cirurgia. O líquido, claro ou xantocrômico, provavelmente penetra através de um orifício na aracnóide que atua como válvula, impedindo sua saída. Na infância, só 5% dos higromas subdurais ocorrem como compliçações de meningites, sendo 40% pós-traumáticos e o resto de causa desconhecida.

5) Cistos aracnóideos são lojas que se formam na leptomeninge da convexidade cerebral devido a fibrose. O líquor penetra mas é impedido de sair por efeito de válvula. Estes cistos podem ser volumosos e comprimir o cérebro.


Quadro clínico

A meningite bacteriana se instala de forma rápida. Três síndromes básicas estão combinadas:

a) Síndrome infecciosa aguda: febre alta, toxemia, prostração;

b) Síndrome de hipertensão intracraniana: cefaléia holocraniana, vômitos em jato, edema de papila;

c) Síndrome meningo-radicular. Devido à irritação das raízes no espaço subaracnóideo, há contratura da musculatura cervical posterior, com rigidez de nuca, e da musculatura dorsal, resultando em opistótono. O paciente adota posição antálgica, deitado de lado com flexão da coxa, da perna e dos braços (posição em cão de espingarda). Estão presentes os sinais de irritação meningo-radicular, sendo os mais pesquisados o de Kernig e o de Brudzinski.

Para pesquisar o sinal de Kernig, com o paciente em decúbito dorsal, o examinador flete a coxa do paciente sobre o quadril em 90o e em seguida procura estender a perna sobre a coxa. Se há irritação radicular nota-se contratura dos músculos posteriores da coxa que causa dor e impede a conclusão da manobra.

Para pesquisar o sinal de Brudzinski, o examinador tenta elevar a cabeça do paciente fletindo-a sobre o peito. O paciente flete involuntariamente as coxas.

Além destas três síndromes freqüentemente se observam outras alterações neurológicas ou psiquiátricas, como convulsões, alucinações, estupor, delírio e coma.

Em recém-nascidos e lactentes nem sempre o quadro completo se manifesta. Pode haver febre ou hipotermia, irritabilidade, recusa alimentar, convulsões e abaulamento da fontanela.

O exame do líquor é fundamental para o diagnóstico: revela-se hipertenso, com aspecto turvo ou francamente purulento. Há pleocitose:  centenas ou milhares de neutrófilos por mm3 (normal, 0-3/mm3, só linfócitos e monócitos); aumento de proteínas (hiperproteinoraquia), e queda de glicose (hipoglicoraquia).


 
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