Hepatite  aguda  viral
Lam. A. 345

 
            É incomum a observação da hepatite aguda por virus na prática diária de Anatomia Patológica. Habitualmente, a doença é diagnosticada por dados clínicos e laboratoriais, e regride espontaneamente ou evolui para cronicidade. O paciente não é submetido a biópsia hepática. Este, porém,  foi um caso excepcionalmente grave, que levou à insuficiência hepática, exigindo transplante. O fígado foi enviado para exame anátomo-patológico, do qual procede a lâmina abaixo. Dados clínicos e sorológicos demonstraram como agente etiológico o virus B da hepatite (HBV), mas a morfologia é inespecífica e outros agentes (como o HCV) poderiam causar aspecto semelhante. 

 
Houve necrose extensa dos hepatócitos, resultando em perda do padrão lobular do fígado. Observam-se agrupamentos de hepatócitos (pseudolóbulos) separados por tecido conjuntivo com infiltrado inflamatório crônico inespecífico e ductos biliares proliferados. O tecido conjuntivo deriva em grande parte de colapso do arcabouço reticulínico dos lóbulos hepáticos após necrose (ou apoptose) dos hepatócitos. Há também marcada colestase intra e extrahepatocítica. 

 

 
HEPATÓCITOS BALONIZADOS.  Muitos hepatócitos na hepatite aguda mostram citoplasma abundante e claro por entrada de água, com dispersão das organelas. Os grânulos pardacentos no citoplasma são de pigmento biliar (bilirrubina). A entrada de água se deve a distúrbios metabólicos da célula, especialmente da bomba de sódio da membrana plasmática, por efeito direto do virus ou de ataque de células imunes. Presumivelmente são células gravemente lesadas e destinadas a morrer.

 
COLESTASE. Uma das conseqüências da hepatite aguda é o acúmulo de bilirrubina dentro e fora dos hepatócitos (colestase intra-e extrahepatocítica), bem como sua passagem para a circulação sanguínea, dando icterícia. A célula não é capaz de excretar a bilirrubina  que conjuga, acumulando-a no citoplasma. A retenção nos canalículos e ductos biliares é explicada em parte por tumefação dos hepatócitos (ver acima) e edema intersticial. A necrose de hepatócitos desestrutura os canalículos biliares, que não têm parede própria, sendo constituídos por segmentos especializados da membrana externa dos próprios hepatócitos. A perda de hepatócitos leva ao extravasamento da bile para o interstício e daí para o sangue. No sangue, predomina a bilirrubina conjugada.

 
ATIVIDADE REGENERATIVA.  Hepatócitos normais raramente se dividem, mas conservam esta capacidade por toda vida. Após uma agressão, como numa hepatite viral, observa-se intensa atividade regenerativa, com mitoses e células bi- ou trinucleadas. Os núcleos são volumosos, com nucléolos evidentes, indicando elevada síntese proteica. Há também marcada proliferação dos ductos biliares, pois as células em regeneração podem se diferenciar tanto em hepatócitos quanto em células ductais. 

 
FIBRAS RETICULÍNICAS.  A impregnação pela prata para fibras reticulínicas é uma técnica muito usada para avaliar a arquitetura do fígado. Em aumento fraco, os pseudolóbulos de hepatócitos remanescentes destacam-se em tom marrom escuro contra o fundo claro do tecido conjuntivo, dando idéia da proporção de parênquima hepático perdido. Normalmente, as fibras reticulínicas acompanham os hepatócitos e delimitam os sinusóides. Onde houve necrose recente os restos de hepatócitos são ainda visíveis entre as fibras. Depois, são eliminados e as fibras aproximam-se (colapso do arcabouço reticulínico). No caso aqui apresentado, a desorganização da arquitetura foi intensa demais para permitir regeneração ordenada dos hepatócitos e reconstituição do parênquima à integridade. A evolução, no caso de sobrevida sem transplante, seria para cirrose, dita pós-necrótica. 

 
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